São Paulo, sexta-feira, 31 de janeiro de 1997
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"Ofereço o medo que já senti"

JEANNE WOLF
ESPECIAL PARA A FOLHA

O diretor Wes Craven sabe o que a platéia espera de seus filmes. Quer sentir medo, ficar apavorada. E medo é exatamente o que transmite seu novo filme de horror, "Pânico" -acompanhado de muito humor. É evidente que ele está se divertindo, satirizando o gênero que o tornou famoso.
"Meu estilo sempre foi uma combinação esquisita de coisas que você não espera, acompanhada de um senso de humor negro."
Wes Craven em carne e osso é o tipo de sujeito sofisticado e simpático que todos adorariam ter ao lado em um jantar. É difícil conciliar seu bom humor com o sangue e horror que leva às telas.
"As pessoas geralmente se surpreendem ao descobrir que os diretores de filmes de horror, inclusive eu, costumam ser calmos e bonzinhos. Eu normalmente não me identifico com o assassino. E sim com a pessoa que corre perigo. O que ofereço à platéia é o mesmo tipo de medo que já senti na minha vida. É por isso que ela se identifica com o que vê na tela grande."
Em "Pânico", Craven trabalha com um roteiro do novato Kevin Williamson, que gerou furor entre os grandes estúdios de Hollywood. "O roteiro era ótimo", admite Craven. "Até Oliver Stone tentou comprá-lo. Eu mesmo escrevi os roteiros de muitos dos meus filmes -mas fiquei totalmente seduzido pelo trabalho de Kevin. 'Pânico' é uma combinação brilhante de suspense e paródia."
Um dos maiores desafios que Craven enfrentou foi encontrar a máscara certa para o personagem do assassino. "O final é uma surpresa", diz ele. "Queremos que o espectador fique tentando adivinhar qual de várias pessoas pode ser o assassino. Por isso, tivemos que criar uma máscara que não revelasse nada. Foi bem mais difícil do que eu havia imaginado."
Quando Craven concordou em dirigir "Pânico", o projeto já contava com uma estrela -Drew Barrymore, que faz a primeira vítima do serial killer no assustador início do filme. "Durante as filmagens, Drew precisou de muitos abraços. Ela é uma pessoa muito física e quer ter a certeza de que você aprecia o trabalho dela."
Indagado sobre como ele é como diretor, Craven pára para refletir. Finalmente, responde:
"No set, acho que sou como uma espécie de pai doidão, mas que dá apoio. Gosto de me divertir. Faço piadinhas totalmente sem graça e as pessoas reagem com caretas. Aconteceu que eu sei que os atores expõem muito de sua vulnerabilidade diante da câmera. Durante o resto do tempo, quero deixar o ambiente em torno deles o mais seguro e divertido possível. Procuro deixar todo mundo relaxado, apesar de estarmos fazendo um filme de horror."
O que o assusta? Craven sorri diante da pergunta. "Não é nada misterioso", responde.
"Houve uma época em que estudei com um professor de filosofia oriental. Ele me disse: 'Uma das primeiras leis da existência é que a única coisa que você possui é seu próprio corpo. Essa é a verdade primordial.'
Isso, para mim, é muito assustador. Existimos dentro de um invólucro que é muito vulnerável a doenças e agressões externas. Meus filmes -aliás, os filmes de horror- tratam daquele medo primitivo, da necessidade de preservar nossos corpos contra a agressão de força desconhecida."
"Em segundo lugar", continua, "você tem que tratar de outra questão: em quem você pode confiar? Será que você realmente conhece as pessoas próximas a você? Sabe do que elas são capazes?"
"É com esse tipo de medo que eu, pessoalmente, já tive que me confrontar. Passei minha infância em bairros pobres e sei o que é ser ameaçado. Quando eu era criança e meus pais brigavam, eu tinha pesadelos. Morria de medo de dormir, porque não sabia o que estaria acontecendo à minha volta quando acordasse. Já vivi tantos temores em minha vida que sei bem como funciona o medo", diz Craven.
Agora, depois de infundir o medo em clássicos do horror como "A Hora do Pesadelo", Craven admite que hoje, na casa dos 50 anos, está à procura de um novo rumo em sua carreira.
"Tenho sentimentos mistos em relação ao meu sucesso nos filmes de horror", admite. "Eu adoraria fazer algo diferente."

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