São Paulo, sexta-feira, 31 de janeiro de 1997
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Diretora diz colocar 'lupa sobre o amor'

JOSÉ GERALDO COUTO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Premiada diretora de documentários sociais como "Guerra dos Meninos" e "Pena Prisão", Sandra Werneck, 45, surpreendeu o meio cinematográfico ao estrear no longa-metragem com uma comédia romântica, "Pequeno Dicionário Amoroso".
O filme, que estréia hoje em São Paulo, já foi visto por mais de 50 mil espectadores no Rio em menos de duas semanas, e seu público continua crescendo.
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Folha - Como surgiu o projeto do "Pequeno Dicionário"?
Sandra Werneck - Chamei o Paulo Halm (roteirista) e disse: "Quero fazer um filme de amor". Mas histórias de amor já foram contadas milhões de vezes. Como é que a gente poderia contar isso de modo original? Aí foram surgindo os blocos temáticos, uma estrutura de cenas ligadas a idéias como separação, atração etc. Veio então a idéia do dicionário.
Folha - Como foram as filmagens?
Sandra - Em dezembro de 94, mesmo sem ter a estrutura toda, chamei a Andréa (Beltrão) e o Daniel (Dantas), a gente armou a produção em um mês e filmou um piloto de uns 25 minutos...
Daniel Dantas - Era ainda um misto de documentário e ficção. Porque além do casal de personagens, havia depoimentos de pessoas comuns sobre o amor.
Isso foi importante porque deu o tom do filme e orientou a nossa interpretação, que deveria ser a mais natural possível para não se chocar com os depoimentos, embora estes não tenham sido aproveitados na versão final.
A gente tinha que esconder a representação. Ficou a idéia de que era uma câmera entrando o máximo possível numa intimidade. Apesar disso, tudo o que está no filme está no roteiro. Não tem improvisação.
Sandra - Em março de 95, quando íamos começar a filmar, tivemos que parar tudo por quase um ano por causa da gravidez da Andréa. Foi até bom, porque, nesse intervalo, a produção conseguiu mais recursos.
Folha - O filme tem recebido certas críticas que se repetem. Primeira: é excessivamente falado.
Sandra - Isso é uma coisa que a gente pensou desde o roteiro. Ele fala de coisas da relação amorosa que às vezes o casal não tem coragem de dizer. A intenção da gente era essa mesmo: falar ao espectador as coisas que normalmente não são ditas. E os diálogos são muito secos. Não há nada de prolixo ou palavroso.
Folha - Segunda crítica: a apresentação dos verbetes em ordem alfabética faz o público ficar pensando quantas letras ainda faltam.
Sandra - Seria mais fácil não ter feito isso. Foi um desafio. Era muito mais fácil jogar aleatoriamente, como quem abre o dicionário ao acaso. Houve muita discussão sobre isso. O Paulo Halm insistiu na ordem alfabética e eu segurei a onda com ele. O próprio (José Roberto) Torero (o outro roteirista) achava que isso não tinha muita importância...
Dantas - Eu também...
Sandra - Mas para mim tinha um desafio. Por exemplo: a palavra "cumplicidade" faz parte da relação afetiva. Eu não a pude usar porque a cumplicidade aparecia cronologicamente na relação depois da hora da letra "c". Ficou então "coincidência". "Tesão" não pôde entrar porque quando chegou na letra "t" a relação estava em baixa, então entrou "tortura". Isso foi um quebra-cabeças para fazer. Criei uma camisa-de-força para mim mesma.
Folha - Terceira crítica: o filme se aproxima muito do modelo da "Comédia da Vida Privada".
Dantas - Acho que isso não é verdade, mas, se fosse, não seria nada grave. É melhor do que ser comparado a uma novela e perder.
Quando a gente começou a fazer o filme nem tinha "Comédia da Vida Privada". Quando participei de um episódio da "Comédia..." que também usava depoimentos, eu já tinha feito o filme.
Sandra - Acho que essa é uma crítica preguiçosa. Por que não se fala da proximidade da estrutura do filme com referências cinematográficas, como o próprio segmento "Drão", de "Veja Esta Canção", do Cacá Diegues?
Usei depoimentos porque certas confissões que os personagens fazem para a câmera não teriam a mesma força se fossem inseridas num diálogo.
Folha - Os homossexuais podem objetar que o amor, no filme, é sinônimo de amor heterossexual.
Dantas - Da mesma maneira que não aparece o amor homossexual, não aparece também o amor entre um branco e uma negra, ou o amor na terceira idade. É um filme que parte de um depoimento pessoal. Seria mentira da Sandra fazer um filme sobre um amor que ela não conhece.
Sandra - Esse filme nasceu de um projeto extremamente autoral. Eu estava me separando, queria falar sobre essas coisas, colocar uma lupa sobre os problemas do afeto.

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