São Paulo, quinta-feira, 2 de outubro de 1997
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Nosso lar, o congestionamento

MOACYR SCLIAR

A idéia ocorreu a Romão na noite em que ele não conseguiu chegar em casa, por causa do congestionamento, e teve de dormir no carro. Se pelo menos a Lana estivesse aqui, ele pensou, a situação não seria tão ruim. Lana era a mulher do Romão. Os dois formavam um casal muito unido e qualquer separação, mesmo resultante de uma coisa tão prosaica como o trânsito, lhes era dolorosa.
Mas será que precisavam mesmo ficar separados por causa do trânsito? Será que ele precisava ir para casa? Aquilo era um esforço inútil: chegava tão cansado que só queria dormir. E no dia seguinte levantava de madrugada para ir ao escritório. Vida estúpida. Uma vida que ele teria de mudar.
O destino encarregou-se de ajudá-lo. Parado ao lado dele, no congestionamento, estava um trailer, daqueles antigos, enormes, com um anúncio: "Vende-se". Aproveitando que o trânsito não se movia, Romão pediu ao dono para examinar o veículo. Era o que lhe servia. Comprou na hora.
Agora, Romão e Lana moram no congestionamento. Quer dizer: moram no trailler, mas como o trailer está sempre parado no congestionamento, eles moram no congestionamento. O que em absoluto lhes perturba. No veículo, Romão tem o seu escritório. Consultor de pequenas empresas, ele se comunica com os clientes por telefone, recebe e manda papelada por um motoboy. Quanto à Lana, entrega-se às tarefas domésticas -poucas, porque cuidar do trailer é muito simples- lê, assiste TV. Uma vida simples e maravilhosa, como eles dizem aos outros motoristas presos no trânsito.
O único receio que eles têm é que o problema do tráfego seja resolvido e que eles tenham de voltar para casa. Já não saberíamos viver lá, confessa Romão, nós nos acostumamos ao trailer, a vida aqui é ótima. E acrescenta, com um sorriso meio envergonhado:
- Nosso lar é o congestionamento.

O escritor Moacyr Scliar escreve nesta coluna, às quintas-feiras, um texto de ficção baseado em notícias publicadas no jornal.

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