São Paulo, quinta-feira, 2 de outubro de 1997
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Cuidado com a esterilização

PEDRO PAULO MONTELEONE

Deverá ser regulamentada até novembro próximo a lei que trata do planejamento familiar, promulgada pelo presidente da República. Dispõe sobre esterilização voluntária de homens e mulheres, estabelece critérios e institui penalidades. Com isso, será finalmente legalizada a prática de esterilização, que é vedada pelo Código de Ética Médica.
A maioria das esterilizações no Brasil é executada em mulheres; o procedimento da vasectomia é muito restrito. A maior parte das laqueaduras tubárias é praticada durante operações cesarianas, geralmente sem indicação médica e com a finalidade precípua da esterilização. A lei promulgada só permite a ligadura das tubas na cesárea em situações excepcionais.
Os métodos de esterilização definitivos devem ser ofertados como um procedimento de última opção. Homens e mulheres precisam ser orientados para a utilização de anticoncepção reversível. Os serviços de planejamento familiar têm a obrigação de propiciar à população toda a infra-estrutura para que o acesso seja realmente universal.
O SUS deve educar sobre pílula anticoncepcional, DIU, diafragma vaginal e preservativo masculino. Esgotadas essas opções reversíveis, podem ser indicadas a laqueadura ou a vasectomia -não apresentam riscos ou efeitos colaterais, são seguras, excepcionalmente falham e sua execução é simples.
Além dos parâmetros que a lei estabelece -idade, oportunidade para a realização, número de filhos, entre outros- devem ser considerados os aspectos psicológicos. Uma gama enorme de sintomas pode sobrevir se a decisão da esterilização for precipitada. Mulheres arrependidas às vezes apresentam disfunção sexual, dores pélvicas, alterações menstruais etc. Podem surgir atritos e desavenças conjugais se o casal não for suficientemente esclarecido ou se a decisão foi tomada sem ponderação.
Algumas mulheres que se submetem à laqueadura, a médio prazo, ficam emocionalmente instáveis e deprimidas. Não surgiu nada de novo: não perdeu nenhum filho, não quer outra gravidez, o casamento está estável. Mas o fato de saber que, se quisesse, não poderia ter outro filho a incomoda. Há um sentimento de perda da possibilidade de gestar. Há até uma sensação de castração, de perda da feminilidade.
A lei também diz que, "na vigência de sociedade conjugal, a esterilização depende do consentimento expresso de ambos os cônjuges". Apesar de correto, esse é outro ponto polêmico.
Há opiniões contrárias à decisão conjunta, apregoando-se -em nome da autonomia individual- que qualquer uma das partes pode tomar a decisão unilateralmente. Entretanto isso não é aconselhável -uma vez constituído, o casal tem compromissos mútuos-, pois pode desencadear crises conjugais futuras.
Por fim, vale destacar que a lei representa um avanço social, mas os poderes públicos devem ser alertados de que terão a obrigação de capacitar o sistema para viabilizar a demanda.
As equipes de planejamento familiar precisam estar acessíveis a todos os cidadãos interessados. Os procedimentos cirúrgicos devem passar a fazer parte da tabela do SUS e os hospitais terão que suportar a procura.

Pedro Paulo Roque Monteleone, 56, é professor-adjunto de Obstetrícia da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp/EPM) e presidente do Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (CRM-SP)

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