São Paulo, quinta-feira, 2 de outubro de 1997
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Sementes para 2002

MARIA D'ALVA KINZO

Nestes dias que antecedem o prazo final para a troca de legendas é generalizada a voracidade com que os vários agrupamentos partidários têm saído à caça de personalidades dispostas a engrossar suas fileiras e, assim, aumentar seu cacife eleitoral para o ano que vem.
O que antes era visto como prática própria de partidos pouco comprometidos com programas e ideologias hoje se expande em todas as direções do espectro político, atingindo inclusive o PT, até há pouco tão arraigado ao principismo e à pureza ideológica.
Assim é que, dos 17 partidos que elegeram representantes para a Câmara na eleição de 1994, 15 sofreram alteração em suas bancadas, sendo que quatro aumentaram sua representação e três outros emergiram, em detrimento de oito que sofreram defecções e outros três que desapareceram.
Nomes do mundo político e empresarial são ressuscitados ou regenerados aos olhos da esquerda. Provavelmente, até amanhã outras surpresas darão mais colorido ao calidoscópio que forma nosso quadro partidário.
Mas não pretendo aqui repisar a tão falada fragilidade de nossas instituições de representação, que tem no troca-troca partidário das últimas semanas apenas uma de suas manifestações.
Também não é o caso aqui de criticar os políticos (qualquer que seja sua coloração e posicionamento) pela utilização apenas instrumental que fazem dos partidos no Brasil, dificultando que eles se tornem instituições consolidadas. Essas são questões que já passamos a aceitar como um dado da realidade, devido à sua persistência no quadro político nacional.
O que mais chama a atenção nessa mobilização político-partidária das últimas semanas é o fato de ela ter prescindido de um eixo político que pudesse definir a clivagem principal a nortear a luta política que se travará em 98.
Num primeiro momento, parecia que a movimentação partidária na oposição à esquerda provocaria uma reviravolta no quadro político, delineando um projeto alternativo de poder.
No entanto, da intensa articulação de líderes dos diversos agrupamentos de esquerda pouco resultou além da luta por espaços ameaçados que a possível candidatura de um poderia causar em outros.
A proposta de um projeto alternativo a cimentar uma substanciosa aliança de centro-esquerda parece ter voltado à estaca zero. E, provavelmente, não avançará a tempo de se tornar uma alternativa real nas eleições do próximo ano, uma vez que estratégias partidárias individuais chocam-se e impossibilitam que passos significativos sejam dados para criar esse projeto.
O fracasso da tentativa do PSB de emplacar Ciro Gomes como candidato de um amplo movimento de oposição de centro-esquerda é um bom exemplo. A articulação chocou-se, de um lado, com disputas regionais do próprio PSB, que tenta se implantar nacionalmente ao mesmo tempo em que ambiciona vôos muito mais altos em escala nacional; de outro, com o PT, ao pretender desbancá-lo de sua posição de principal partido de esquerda do país.
Mesmo sem condições para tanto, a jogada do PSB representou uma ameaça, num momento em que o PT se consome em dissensões internas. A reação só poderia vir com a defesa da candidatura Lula. Mesmo admitindo o alto risco de uma terceira derrota para seu líder máximo, não pode o PT deixar que sua posição arduamente conquistada seja ameaçada.
É óbvio que, em face da imprevisibilidade que tem caracterizado as eleições presidenciais anteriores, é demasiado arriscado fazer qualquer previsão quanto ao futuro dos possíveis contendores de Fernando Henrique Cardoso nas urnas no ano que vem.
No entanto, a agitação política da última semana parece ter resultado em muito pouco no campo da reversão das expectativas sobre as chances de um segundo mandato para o presidente. Parece difícil, a apenas 12 meses da eleição, que haja tempo para a formulação de um projeto alternativo que de fato sensibilize a maioria do eleitorado, quando ainda não se tem claro quais são os parceiros a dele compartilhar.
Isso não quer dizer que o cenário da competição presidencial não se agite com candidaturas com alguma expressão e potencial mobilizador. Mas elas, provavelmente, serão muito mais sementes jogadas para germinar em 2002 do que reais alternativas de poder.

Maria D'Alva Gil Kinzo, 46, é doutora em ciência política pela Universidade de Oxford e professora do Departamento de Ciência Política da Universidade de São Paulo.

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