São Paulo, sexta-feira, 3 de outubro de 1997
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Anti-recepção

JANIO DE FREITAS

Deve-se muito aos meios de comunicação, sobretudo aos jornais, o caráter de confronto assumido pela divergência entre Igreja Católica e legislação brasileira em torno de aborto em casos de estupro ou de riscos graves. Por desconhecimento de que a nova lei não faria mais do que regulamentar, em parte, a legalidade já conferida há quase 60 anos àqueles casos de aborto, os jornais a apresentaram como novidade e, em mais uma suposto serviço político, como inovação devida a Fernando Henrique Cardoso.
A hierarquia católica brasileira embarcou no equívoco, reagiu com energia e isso gerou mobilizações, de uma parte e de outra, que retiraram a possibilidade de reposição do assunto nos limites apropriados.
A mais recente contribuição para o confronto foi triplamente inadequada. Tantas são as concessões já exibidas por Ruth Cardoso, em relação a conceitos e atitudes que expôs até mesmo como primeira-dama, porém antes de aderir a esse papel algo patético, que não lhe custaria contornar ou adiar como pessoa, na véspera da chegada do papa, mais uma investida contra a posição da Igreja Católica.
Como primeira-dama, sua investida, em tal ocasião, foi mais do que uma gafe perceptível, provo-o aqui, até por quem não se educou entre refinamentos e etiqueta. O papa não viajou ao Brasil com propósitos hostis, o que não quer dizer que esteja impedido de referir-se às desgraças do país tão bem preservadas. Logo, não poderia ser hostilizado por uma primeira-dama.
Por fim, é falsa a sua afirmação de que "não há nenhum enfrentamento de quem quer que seja contra ou a favor" (do aborto, naqueles casos, em hospitais públicos). Há e Ruth Cardoso tem nele parte ativa. Com o mesmo direito que outros têm de defender posição contrária à sua (não é o meu caso) por motivo religioso.
Falta muito
O plenário do Senado retirou privilégios antes aprovados para a aposentadoria dos parlamentares. Muito bem. Mas o problema das aposentadorias só começará a ser tratado de modo democrático -e em respeito à índole da Constituição- quando buscado o fim das injustas diferenças entre as aposentadorias de assalariados, parlamentares, juízes, militares e funcionários civis.
Os inovadores
Há duas novidades partidárias. Uma é a transformação do PSB em abrigo de descontentes, cuja variedade não permite presumir, por ora, que efeitos políticos reais o crescimento do partido produzirá.
A outra novidade é a entrada do PSDB em sua terceira fase. A primeira foi a da rejeição ao PMDB transfigurado e consequente promessa de um partido ético, democrático e de compromissos com a justiça social. A segunda fase foi a da aliança com o conservador e fisiológico PFL, com o abandono dos princípios e do programa partidário e, ainda, com a abertura das portas, por Sérgio Motta, aos oportunistas de outros partidos.
Na terceira fase, que se inaugura, não só oportunistas em geral e a Arena em particular encontram no PSDB um ninho receptivo. As peessedebistas agora se ofertam à repressão mais feroz, representada, na inauguração da nova fase, por um dos maiores heróis da ditadura -o general Nilton Cerqueira, autor do cerco e morte do adormecido Carlos Lamarca e agora deputado do PSDB, em licença por ser secretário do governo do PSDB no Estado do Rio.
O PSDB não vai longe. Já foi.

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