São Paulo, sexta-feira, 3 de outubro de 1997 |
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Coleção estimula declamar Antonio Cicero
CARLOS RENNÓ
O lançamento traz a oralização de praticamente todos os poemas do livro "Guardar" (Record, 1996), que rendeu neste ano o Prêmio Nestlé ao autor. Como uma de suas principais virtudes, o CD apresenta o que alguns podem talvez subestimar mas que importa muito, quando se trata de um disco de poemas. Ou seja: o fato de sua audição prescindir da leitura simultânea do livro, para a plena fruição da poesia que contém. Não sendo o escopo deste texto a abordagem de tal poesia, mas a de sua interpretação, não posso deixar de dizer aqui o quanto de sua graça é realçado pela adequada leitura que dela faz o poeta. Expressiva, sem ser excessiva; contida, mas não tímida; e tão clara quanto esclarecedora. Naturalmente, é sempre valiosa qualquer oralização autoral, mesmo quando o poeta não é um especialista nisso (caso da imensa maioria dos poetas brasileiros). Certas inflexões revelam por vezes traços interessantes do autor, colaborando para o entendimento de sua obra. A leitura de Antonio Cicero, porém, ultrapassa o desempenho desse tipo de função, marcando-se pela performance em si. Ouvindo-o, podemos sentir alguém com uma real vivência na prática -menos comum do que se pode pensar, entre nossos poetas- da leitura de poemas em voz alta. Ou, talvez seja melhor dizer, em voz baixa, como Cicero busca fazer. E como convém à interpretação de poesia lírica, que ele cultiva com alma e com técnica, verdade e beleza. Interpretação não-enfática, oposta à feita pelos atores que tendem a tratar o material poético como dramático. O fato de ter vivido anos nos Estados Unidos deve exercer alguma influência nisso tudo. Foi lá que ele despertou para a linguagem poética, ao descobrir a poesia de língua inglesa -poesia de longa tradição de leitura, e privilegiada, no aspecto musical, pela plasticidade da língua. Hoje, os poemas que cria tentam chamar atenção para a sonoridade das palavras -particularmente para a peculiar sonoridade da língua portuguesa. No nível interpretativo, tal objetivo obtém êxito simplesmente porque Cicero executa bem a música da sua própria poesia. Pela elegância e pelo poder de sedução dos versos; pelas finas ambiguidades, sempre pertinentes e enriquecedoras, de várias imagens e expressões; por tais e mais razões, essa poesia já provou merecer ser lida. Agora, pede que seja ouvida. Leitura e audição, no caso, se complementam para expor aspectos do trabalho do artista. Como a sua contínua carpintaria poética, observável em termos substituídos e até no acréscimo de toda uma estrofe de "Teofania", aliás, um dos momentos memoráveis do CD. É quando, para citar outro ("Templo"), a Memória, mãe das musas, "nos oferece o esquecimento quando canta o imorredouro". Disco: Antonio Cicero por Antonio Cicero Lançamento: Luz da Cidade Quanto: R$ 18, em média Texto Anterior: "Stomp" não se compara ao ritmo brasileiro Próximo Texto: Olivia Byington faz tributo incomum a Aracy de Almeida Índice |
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