São Paulo, sexta-feira, 3 de outubro de 1997
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Dona Ruth e o aborto

LUIZ CAVERSAN

Rio de Janeiro - Se não foram diplomaticamente apropriadas -ou soaram como desrespeito ao papa, como querem alguns-, as declarações de dona Ruth Cardoso em defesa da regulamentação da lei que permite a realização de abortos em casos específicos ao menos serviram para recolocar a questão em seu devido lugar.
Pôr em prática uma lei que já está em vigor no país há mais de 50 anos não é um assunto religioso, mas sim de política de saúde. É importante que isso fique sempre muito claro quando a questão vem à tona.
Que o papa, a igreja, os padres e os católicos mais intransigentes são contra qualquer tipo de aborto não é novidade nenhuma. Cada um pode ser contra ou a favor de acordo com sua consciência.
Agora, não se deve permitir que no calor do confronto de posições antagônicas sobressaia a idéia de que toda interrupção da gravidez seja proibida. Não é; a lei admite esse procedimento, a critério da mãe, nos casos previstos de estupro ou de risco de vida para a progenitora.
A regulamentação que está para ser votada no Congresso vai apenas permitir que os hospitais públicos também possam realizar as operações.
Portanto, caso prevaleça a opinião dos "contra" e a regulamentação não passe no Congresso -o motivo de preocupação da primeira-dama-, a interrupção da gravidez naqueles dois casos continuará sendo um privilégio das pessoas que puderem pagar o atendimento particular. Ou seja, as mulheres de baixa renda continuarão condenadas ao dilema de manter o feto indesejado gerado no estupro, enfrentar a morte nas gestações de alto risco ou se submeter aos perigos das clínicas clandestinas.
*
Um mendigo queimado e cinco homens mortos pela polícia numa favela. O Rio também mostrou sua face sinistra ao papa ontem.

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