São Paulo, sexta-feira, 3 de outubro de 1997
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João de Deus

JOSÉ SARNEY

Os papas, ao serem eleitos, perdem o nome e a nacionalidade. João Paulo 2º é uma exceção. É o papa polonês, é o padre e cardeal Karol Wojtyla. É a última personalidade carismática dos tempos modernos, dominadora de multidões e do respeito da humanidade, a figura humana e política mais importante do século 20. Egresso de uma região ocupada pela ideologia marxista, que negava e perseguia a religião, considerada "o ópio do povo", traz para o seu pontificado uma conotação marcadamente política.
Cardeal Wojtyla sente-se destinado por Deus para uma tarefa messiânica. Sua arma é a fé, esta que não o abandonou como seminarista, operário, ator, militante da igreja do seu país. Sua devoção à Virgem de Chestocova faz dele o defensor da família, que ele definiu como "o berço da vida, o lugar em que o indivíduo nasce e cresce".
O papado vive de símbolos e o papa João Paulo 2º não fugiu deles. Ao escolher o seu brasão, incluiu no escudo papal o azul, cor nacional de sua pátria polonesa, colocou um M de Maria, a padroeira da Polônia, e escolheu como lema "Totus Tuus" (inteiramente teu). Estava assinada sua marca pessoal. A doação missionária e a fidelidade à sua terra, marca permanente de sua personalidade.
Assume o pontificado e volta a fazer o que sempre gostou de fazer, escrever suas concepções teológicas e, em 4 de março de 1979, um ano depois de escolhido, publica a primeira das 12 encíclicas que marcam o seu pontificado, "Redemptor Homonis", onde aborda o problema da igreja do Leste Europeu, isto é, o mundo comunista.
A história tem suas leis. Muitas especulações podemos fazer sobre o que pôs fim à confrontação ideológica, mas ninguém pode negar que sem o papa João Paulo 2º ela não teria ocorrido, como ocorreu. A força de sua fé, a sua obstinação de andarilho da causa de Deus, dos valores espirituais, foi um fator decisivo.
Logo vai à Polônia, milhões acompanham a força de seu carisma, apoiado no cajado de pastor de almas, e abala a estrutura do Estado comunista. Há problemas na Nicarágua, inclusive com a sua igreja. Vai à Nicarágua, diz aos padres que sua missão não é salvar os corpos, mas salvar as almas. Viaja a todos os pontos da Terra, o papa peregrino.
Ei-lo, de volta ao Brasil, velho, alquebrado, com o corpo marcado por tantas agruras, quase sem poder ficar em pé. Vem ao Rio para uma reunião sobre a família. Ele sabe que suas forças estão chegando à exaustão, mas continua andando e orando. Agora, não mais quanto à derrubada do comunismo, mas também do capitalismo, que considera igual ao sistema vencido.
Na encíclica "Centesimus Annus", comemorativa dos cem anos da "Rerum Novarum", de Leão 13º, invectiva contra a vitória do liberalismo. Prega a dignidade do trabalho ("Laborem Exercens"), justiça de salário, força dos sindicatos e a contribuição do trabalhador no campo e na cidade para a elevação moral da sociedade. Luta contra a pobreza e a miséria, pede justiça social.
Fomos nós que vivemos esses tempos, contemporâneos de um mito santificado, o maior homem do século, que venceu todos os desafios com uma única arma, a fé. E a fé, disse Cristo, salva e remove montanhas.

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