São Paulo, domingo, 5 de outubro de 1997
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O sucesso da reforma da saúde; Tunga na Saúde; CURSO MADAME NATASHA DE PIANO E PORTUGUÊS; Lichtenstein; Três bons livros sobre Canudos; A FAB está atrapalhando a vida da TAM; Warren Buffett

ELIO GASPARI

O sucesso da reforma da saúde
A segunda rodada de negociações na Comissão Especial da Câmara onde se discute a regulamentação das empresas privadas de serviços médicos foi uma das melhores coisas que aconteceram nos últimos tempos.
Até o final da semana passada, caminhava-se para levar ao plenário uma proposta com os seguintes progressos:
os aposentados com mais de 10 anos de contribuição aos planos das empresas adquirem o direito de preservar o vínculo com os serviços médicos, desde que paguem a parte do empregador. Isso significa que não terão mais que escolher entre um plano três vezes mais caro ou o SUS. Deve-se essa mudança a FFHH. Ela provocará algum impacto nas contas das empresas e mudará a natureza de seus negócios.
os desempregados também mantêm o vínculo, por 18 meses, nas mesmas condições. Novo mérito de FFHH.
os cidadãos que chegarem aos 60 anos, tendo pago suas contas por dez anos, não podem mais ser tungados com aumentos.
as empresas ficam obrigadas a operar com planos mínimos para cobrir despesas de ambulatório ou de hospital. É verdade que na semana passada esse pedaço do projeto teve três versões. Na segunda-feira, era bom. Na terça, péssimo. Na quinta, médio. Ainda está ambíguo, mas o freguês adquire a capacidade de dizer que tem direito a uma ultra-sonografia. Fora do mundo dos procedimentos caros, não se pode mais recusar a uma mulher alguns exames ginecológicos baratos, porém complexos. Acaba-se a vigarice dos planos que vendiam consultas e nada mais.
estabeleceu-se que cabe ao médico dizer quanto tempo o doente deve ficar numa Unidade de Terapia Intensiva ou numa enfermaria. Acabam as UTIs de 10 dias e sepulta-se a demagogia desconexa segundo a qual se deveria dar direito a 60 dias por ano. (Isso seria a mesma coisa que garantir dois quilos e meio de UTI aos doentes. Só quem ficou perto de 60 dias numa UTI foi Tancredo Neves, a maior parte do tempo semimorto.)
termina a farra das doenças pré-existentes. Se o cliente está pagando há dois anos, não há o que discutir. Senão, cabe à empresa a prova de que ele fraudou sua condição.
acaba também a tunga das carências. Elas ficam em 300 dias para os partos e 180 para os outros casos.
as empresas ficam obrigadas a ressarcir o SUS sempre que seus clientes forem atendidos na rede pública. Como e quando, ficou para se decidir depois. Com isso, FFHH entra no seu terceiro ano de mandato sem ter conseguido receber de volta um só centavo dos subsídios que a Viúva desembolsa.
Os consumidores lucraram. As seguradoras estão batalhando para ficar com o menor prejuízo possível, e as empresas de convênios médicos levaram uma paulada proporcional ao grau de embuste com que operam. Isso foi conseguido porque os deputados quebraram a unidade do grupo de pressão das empresas e porque o governo parou de apadrinhá-las.
O sucesso tem nome. Deve-se à mudança de posição do governo e ao trabalho dos seguintes deputados (pelo menos):
Ronaldo Cezar Coelho (PSDB-RJ): negociando em nome do Planalto, entrou em campo para sair com um resultado em vez de cultivar impasses.
Humberto Costa (PT-PE): foi um dos parlamentares que mais trabalhou para desmontar as panelinhas que haviam contaminado a Comissão.
Padre José Linhares (XX-CE): trouxe para o debate as Santas Casas e, com elas, as planilhas de custos de seus planos. Esse é o segredo que as empresas mais preservam. Do seu exame, resultou que havia muito terrorismo nos custos adicionais de que se queixavam as companhias. As Santas Casas oferecem planos razoáveis cobrando R$ 40 por mês.
Marcos Vinicius (PFL-SP): Advogado, trabalhou como um mouro e entrou com sua experiência na área dos direitos do consumidor.
Ney Lopes (PFL-RN): Depois de um memorável bate-boca com Ronaldo Cezar Coelho, produziu a abertura da negociação de alguns pontos trazidos pelo governo.
A eles, soma-se o médico sanitarista Hugo Fernandes, assessor da Câmara. Foi o braço técnico que permitiu aos deputados discutirem as contas de um mercado que odeia divulgar seus dados, com números, leis e cifras confiáveis
O projeto não está aprovado e poderá ir ao plenário ainda neste mês. Depois vai ao Senado. No caminho, as empresas contrariadas tentarão esterilizar a regulamentação. É certo que o detalhamento dos planos mínimos acabará produzindo a mãe de todas as brigas. Se cada cidadão anotar o nome dos deputados que lhe querem mutilar os direitos, essa conta poderá ser zerada na eleição.
Para quem gosta de falar mal do Congresso, um lembrete: sem deputados e senadores que lutassem pela regulamentação desses serviços e sem parlamentares que negociassem suas posições depois de estudar o problema que discutiam, a farra dos planos de saúde continuaria por mais 100 anos. Foi assim que ela durou 20 anos.

Tunga na Saúde
A Ekipekonômica tungou o cérebro do professor Adib Jatene, a alma do Congresso e o bolso do público. O governo disse que a CPMF se destinava a botar mais dinheiro na Saúde, e resultou no contrário.
O Orçamento para o ano que vem prevê para o Ministério da Saúde gastos no valor de R$ 17.8 bilhões (descontadas as despesas com a amortização das dívidas do setor). Esse valor deve ser mais ou menos o mesmo do que se gastará neste ano.
Em 1995, quando a mão de FFHH tinha cinco dedos, ela gastou R$ 25,2 bilhões. Tradução: a choldra está pagando a CPMF, e o dinheiro da Saúde, em vez de aumentar, diminuiu.
As despesas com os encargos e os juros da dívida pública (sem contar a amortização) ficarão em R$ 37.1 bilhões. Da conta resulta que a festa dos juros no andar de cima custará o dobro do que se gastará com a saúde no andar de baixo. A diferença -R$ 19 bilhões- equivale à fortuna do terceiro homem mais rico dos Estados Unidos, Paul Allen, sócio pobre de Bill Gates.

CURSO MADAME NATASHA DE PIANO E PORTUGUÊS
Madame Natasha tem horror a música. Ela protege os excluídos dos planos do vernáculo. Concedeu mais uma de suas bolsas de estudo ao dr. Edmundo Castilho, presidente da cooperativa Unimed, pelo seguinte trecho a respeito da paranóia:
- A criação de réplicas de modelos vitoriosos, embora de forma de avesso e caricatura do original, é o inicio de cripto-sistemas paralelos que são implementados ao alvedrio do pensamento das maiorias, invocando sempre a liberdade, a democracia, o livre-arbítrio, virtudes que nunca pratica.
Madame acha que o dr. Castilho quis dizer que o estão perseguindo.

Lichtenstein
Todas as ilustrações desta página vieram da obra do pintor americano Roy Lichtenstein, morto na semana passada, aos 73 anos. Passou pela vida mostrando como os grandes artistas são capazes de tornar inesquecíveis as coisas simples.

Três bons livros sobre Canudos
Hoje completam-se cem anos da queda do Arraial de Canudos. Trata-se de um assunto a respeito do qual todo mundo gostaria de saber mais e sobre o qual há um grande livro -"Os Sertões"- que custa ao leitor sacrifícios que vão além da paciência do curioso.
Para quem tiver ânimo de procurá-los, há três novos livros na praça. O primeiro é "Canudos -O Povo da Terra", de Marco Antonio Villa, professor de história da Universidade de São Carlos, publicado pela primeira vez em 1995. É brilhante. Desmente que houvesse 30 mil pessoas no arraial e estima que não passaram de 10 mil. (O numero é inflado para justificar a incompetência militar e para engrandecer o martírio popular, convindo assim tanto à caça quanto aos caçadores.) Mostra Rui Barbosa como vivandeira açulando generais. Chama o general Deodoro pelo nome: gagá. Mostra como a patuléia satanizada, ontem como hoje, é acusada de provocar a queda da cotação dos fundos brasileiros no exterior, inibindo a entrada de capitais no país. Villa despreza a teria do arraial messiânico e argumenta que as profecias atribuídas ao Conselheiro são documentos apócrifos. É pena, mas a frase "o sertão vai virar mar e o mar vai virar sertão" é apócrifa.
É de rolar de rir a história do Cabo Arnaldo Roque, que teria morrido abraçado ao corpo do coronel Moreira Cesar, comandante da terceira expedição. Roque era seu ordenança e teria atirado até a última bala, antes que os jagunços o varassem. Em São Paulo, deram-lhe o nome à rua do Quartel. Pouco depois, o cabo apareceu e explicou que não se abraçou a coronel algum. Deu no pé.
O pedaço mais importante do livro de Villa é um apêndice, no qual documenta uma opinião que percorre todo o livro: Euclides da Cunha não viu boa parte do que contou. Esteve em Canudos muito menos tempo do que se pensa (15 ou 16 dias, com duas idas às trincheiras). Não presenciou a queda do Arraial, e por isso sua narrativa acaba abruptamente. Além disso, ganhou "um jaguncinho" de presente do general-comandante.
Os outros dois livros são reedições de trabalhos publicados logo depois do massacre.
Um é "O Rei dos Jagunços", do jornalista Manoel Benício, publicado pela primeira vez em 1897 e reeditado agora pelo Jornal do Commercio e pela Fundação Getúlio Vargas. Benício foi de longe o melhor repórter da guerra. Não assistiu a queda do Arraial porque o comando militar botou-o para correr, ameaçando-o de morte.
O outro é o melhor. Chama-se "Descrição de uma Viagem a Canudos", foi escrito pelo estudante de medicina Alvim Martins Horcades, publicado pela primeira vez em 1899 e reeditado agora pela Universidade Federal da Bahia. Horcades devia ter pouco mais de 20 anos. Testemunhou e descreveu o massacre. Narrou a rotina das degolas e a distribuição das crianças. Entrando nas ruínas, escreveu: "Horror e mais horror". (Só cinco anos depois é que Jospeh Conrad publicaria o romance "No Coração das Trevas", com frase semelhante, popularizada 70 anos depois por Marlon Brando em "Apocalipse Now".)

A FAB está atrapalhando a vida da TAM
O ministério da Aeronáutica deixou a TAM numa posição canhestra. Neste mês, completa-se um ano da queda do Fokker da empresa nas cercanias do aeroporto de Congonhas, matando 99 pessoas, e a FAB ainda não entregou às famílias das vítimas o laudo das causas do acidente.
As famílias precisam desse documento para ir buscar na Justiça a indenização a que podem ter direito por conta de uma irresponsabilidade dos fabricantes do avião e/ou da TAM. Sem ele, têm que se contentar com o seguro estabelecido na lei brasileira, equivalente a R$ 15 mil. Isso, em muitos casos, não paga um mês da salário das pessoas mortas. Nunca é demais lembrar que, se um fazendeiro viajar num avião e despachar cinco vacas na carga, o seguro dos quadrúpedes -baseado no peso- será maior do que o do bípede.
Felizmente, os familiares dos mortos do Fokker criaram a Associação Brasileira dos Parentes e Amigos das Vítimas de Acidentes Aéreos (Abrapava). Num país onde dois ex-presidente morreram em aviões (Castello Branco e Nereu Ramos), deve chegar a hora da conta ficar mais cara para os responsáveis pelos desastres.
O relatório já está pronto e foi remetido às empresas fabricantes do avião e de suas peças, na Holanda, Estados Unidos e Inglaterra. Se eles não fizerem objeções, o laudo aparece em dois meses. Se fizerem, sabe-se lá quando.
O ministro Lélio Lobo está atrapalhando a vida do comandante Rolim Amaro, dono da TAM, pelo seguinte: um levantamento da Abrapava informa que, desde junho de 1984, a FAB acumula em seus arquivos dez acidentes que ainda não resultaram em laudos. Neles, morreram 157 pessoas. Dos dez, três acidentes sem laudo são da TAM, com um portfólio de 120 mortos.

FRASES
Warren Buffett
(67 anos, o investidor mais rico do mundo, segunda fortuna dos Estados Unidos, com US$ 21 bilhões. Quem botou US$ 10 mil nas suas mãos em 1956 teve US$ 80 milhões em 1994.)
- Se você acertou, pare de tentar.
- Quando uma ação dobra, venda-a. Se não dobra, não a compre.
- Se o mercado fosse uma coisa sempre eficiente, eu seria um maloqueiro sentado na calçada, com uma caneca na mão.
- A melhor maneira de ir devagar é parar.
- Aprende-se mais estudando os negócios que dão errado do que aqueles que dão certo.
- O risco deriva do fato de você não saber o que está fazendo.
- Quando você junta ignorância com dinheiro emprestado, os resultados são sempre engraçados.
- Com muita informação privilegiada e US$ 1 milhão no bolso você pode quebrar em um ano.
- As previsões servem para nos informar a respeito das pessoas que fazem previsões.
- Wall Street é o único lugar onde pessoas que andam de Rolls Royce se aconselham com gente que anda de metrô.
- Quando eu preciso tomar uma decisão coletiva, vou para o espelho.
- O investidor de hoje não lucra com o crescimento de ontem.
- Um investimento tem de ser uma coisa racional. Se você não consegue entendê-lo, não o faça.
- Prever que as pessoas serão dominadas pela cobiça, pelo medo ou pelo delírio é fácil. Prever a sequência é impossível.
- Diversificação é uma proteção contra a ignorância. Para quem sabe o que está fazendo, não faz sentido.
- Quando a maré baixa, vê-se quem estava nadando nu.
- Se uma companhia decide começar um programa de corte de despesas, não sabe o que vêm a ser custos. Os espasmos não funcionam. Um bom executivo não pode dizer: "Eu hoje vou cortar custos". Seria o mesmo que dizer que vai treinar respiração.
- Tudo o que não pode durar para sempre termina acabando.
A um anfitrião que ia lhe servir um vinho caro e mencionou o preço da garrafa:
- Obrigado, me dá o meu em dinheiro.
A um sujeito que tinha uma idéia e queria seu capital:
- Com uma idéia minha e com o seu dinheiro, fica melhor.
(Adaptadas do livro "Warren Buffett Speaks" -"Fala Warren Buffett"-, de Janet Lowe, publicado recentemente nos Estados Unidos.)

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