São Paulo, domingo, 5 de outubro de 1997
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Biodiversidade em xeque

MAURÍCIO TUFFANI
EDITOR-ASSISTENTE DE CIÊNCIA

Um dos temas mais consagrados da preservação do meio ambiente em todo o mundo está sendo questionado por três estudos publicados recentemente pela revista norte-americana "Science". Trata-se da biodiversidade, conhecida de forma mais simplificada como a variedade de seres vivos (veja quadro ao lado).
Os três trabalhos são apresentados na edição de 29 de agosto último da revista por J. P. Grime, da Unidade de Ecologia Comparada de Plantas, da Universidade de Sheffield, no Reino Unido, um dos cientistas mais conceituados do mundo na área de ecossistemas.
Nessa apresentação, ele afirma que as novas pesquisas publicadas pela revista apontam para uma necessidade de rever a concepção da importância da variedade de seres vivos como "uma garantia contra o colapso ecológico".
Um dos estudos foi coordenado por David Wardle, da Universidade de Ciências da Agricultura, em Umea, na Suécia. Outro trabalho teve como chefe da equipe de pesquisa David Tilman, da Universidade de Minnesota, em St. Paul, nos Estados Unidos. A terceira pesquisa foi realizada por David Hooper e Peter Vitousek, do Departamento de Ciências Biológicas, da Universidade de Stanford.
Segundo Grime, tudo parece indicar que está ruindo a concepção de que quanto maior for o número de espécies animais e vegetais de um ecossistema -como as florestas tropicais, as savanas, os manguezais e outros-, mais variados são os seus mecanismos de proteção contra ameaças externas, genericamente definidas a partir da ação predatória do homem.
Apesar de admitir que são necessárias pesquisas adicionais para enriquecer a questão, o pesquisador britânico vai mais longe. Ele afirma que "o problema mais imediato é identificar espécies insubstituíveis e descobrir se existem situações nas quais a viabilidade de um ecossistema depende de uma alta biodiversidade".
Em outras palavras, Grime diz que algumas espécies são mais importantes que outras. E essa importância, segundo ele, deve ser estabelecida em função da necessidade de decidir "prioridades para a conservação".
Segundo Grime, as espécies mais importantes são aquelas que desempenham mais funções dentro de seus ecossistemas.
As funções de um ecossistema são as atividades relacionadas à interação entre os seus elementos, como o trânsito de substâncias nutrientes entre o solo e as plantas, a dispersão de sementes e a decomposição do material orgânico e outras.
As espécies com maior diversidade de funções são as que mais participam dessas diferentes atividades dos ecossistemas.
Essa constatação não é novidade. Na verdade, diversos pesquisadores, mesmo entre os mais árduos defensores das políticas de preservação da biodiversidade, já haviam tocado o dedo nessa ferida.
O caráter delicado da questão está relacionado às estratégias de divulgação de programas e políticas conservacionistas, que geralmente usam a figura de espécies animais ameaçadas de extinção como "bandeiras". É o caso, por exemplo, dos pandas, elefantes, baleias, gorilas e várias outras espécies, geralmente mostradas com forte apelo emocional.
A constatação a que chegaram Grime e os cientistas por ele apresentados já foi apontada, por exemplo, por Paul Ehrlich, professor de ciências biológicas da Universidade de Stanford, na Califórnia, que o fez de forma muito mais enfática.
"Muitos desses organismos, menos atraentes ou espetaculares, que o Homo sapiens está destruindo, são mais importantes para o futuro da humanidade do que a maioria das espécies sabidamente em perigo de extinção. As pessoas precisam de plantas e insetos mais do que precisam de leopardos e baleias, sem querer com isso menosprezar o valor dos dois últimos", disse Ehrlich em um estudo de 1988.
A novidade é que os estudos apresentados por Grime se baseiam em experiências feitas com ecossistemas, enquanto que Ehrlich e outros pesquisadores haviam chegado à mesma conclusão por meio de extrapolações a partir dos conceitos básicos da ecologia.
No entanto, Ehrlich -assim como outros cientistas que partilham da mesma posição- assume posições completamente diferentes da de Grime. No mesmo estudo citado acima, ele afirma: "Talvez seja necessária uma transformação quase religiosa, que leve à apreciação da diversidade por si própria, independente de seus benefícios diretos para a humanidade".
Os disparos de Grime contra a importância atribuída à biodiversidade deixam claro seu alvo principal: a maior importância que tem sido dada à preservação dos ecossistemas de maior diversidade biológica.

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