São Paulo, domingo, 5 de outubro de 1997
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Globalização, exploração e os seres descartáveis

2 - A figura 2 é construída pelo desenho de um triângulo.
Uma das mentiras neoliberais é dizer que o crescimento econômico das empresas produz uma melhor repartição da riqueza e do emprego. Isso é falso. Assim como o aumento de poder de um rei não tem por efeito um aumento do poder dos seus súditos (mas, antes, o contrário), o absolutismo do capital financeiro não melhora a repartição das riquezas e não cria empregos. Pobreza, desemprego e instabilidade são as suas consequências estruturais.
Nos anos 60 e 70, o número de pobres (cuja renda líquida, segundo o Banco Mundial, é menos de US$ 1 por dia) atingia cerca de 200 milhões. No início dos anos 90, a cifra subiu a 2 bilhões.
Mais seres humanos pobres ou empobrecidos; menos pessoas ricas ou enriquecidas -tais são as lições da peça 1 do quebra-cabeça. Para obter esse resultado, o sistema capitalista mundial "moderniza" a produção, a circulação e o consumo de mercadorias. A nova revolução tecnológica (a informática) e a nova revolução política (as megalópoles emergentes sobre as ruínas do Estado-Nação) produzem uma nova "revolução" social -uma verdadeira reorganização das forças sociais, principalmente da força de trabalho.
A população economicamente ativa do mundo pulou de 1,38 bilhão, em 1960, para 2,37 bilhões, em 1990. Cresceu o número de seres humanos capazes de trabalhar, mas a nova ordem mundial os circunscreve a espaços precisos e lhes redefine as funções (ou as não-funções, como no caso dos desempregados e dos empregos instáveis).
A população mundial empregada por atividade modificou-se radicalmente ao longo dos últimos 20 anos. O setor agrícola e a pesca caíram de 22%, em 1970, para 12%, em 1990, as manufaturas, de 25% para 22%, mas o setor terciário (comércio, transporte, bancos e serviços) passou de 42% a 56%. Nos países em via de desenvolvimento, o setor terciário cresceu de 40%, em 1970, para 57%, em 1990, e a agricultura e a pesca caíram de 30% para 15% (2).
Cada vez mais trabalhadores são desviados para atividades de alta produtividade. O sistema age, assim, como uma espécie de megapatrão, para quem o mercado planetário não seria mais que uma empresa única, administrada de maneira "moderna".
Mas a "modernidade" neoliberal parece mais próxima da infância bestial do capitalismo que da "racionalidade" utópica. De fato, a produção capitalista continua a fazer apelo ao trabalho infantil. Existem mais de 1,15 bilhão de crianças no mundo. Pelo menos 100 milhões vivem nas ruas e 200 milhões trabalham -e serão, segundo as previsões, mais de 400 milhões no ano 2000. Somente na Ásia, seriam 146 milhões nas fábricas. E, no norte, também, centenas de milhares de crianças trabalham para complementar a renda familiar ou para sobreviver. Da mesma forma, muitas crianças são empregadas nas indústrias do prazer: segundo as Nações Unidas, a cada ano, 1 milhão de crianças é lançado no comércio sexual.
O desemprego e o emprego instável de milhões de trabalhadores no mundo -eis uma realidade que não parece prestes a desaparecer. Nos países da Organização de Cooperação e de Desenvolvimento Econômicos (OCDE), o desemprego passou de 3,8%, em 1966, a 6,3%, em 1990; na Europa, ele passou de 2,2% a 6,4%.
O mercado mundializado destrói as pequenas e médias empresas. Com o desaparecimento dos mercados locais e regionais, estes, sem proteção, são incapazes de suportar a concorrência dos gigantes multinacionais. Milhões de trabalhadores se vêem, assim, desempregados. Absurdo neoliberal: longe de criar empregos, o aumento da produção os destrói -a ONU fala de "crescimento sem emprego".
Mas o pesadelo não pára aí. Os trabalhadores devem aceitar a instabilidade no emprego. Uma instabilidade maior, jornadas de trabalho mais longas e salários mais baixos. Tais são as consequências da mundialização e da explosão do setor de serviços.
Tudo isso produz um excedente específico: seres humanos em demasia, inúteis à nova ordem mundial, porque não produzem mais, não consomem mais e não tomam mais empréstimos nos bancos. Em resumo: eles são descartáveis. A cada dia, os mercados financeiros impõem suas leis aos Estados e aos grupos de Estados. Eles redistribuem os habitantes. E, no final, acabam por constatar que ainda existe gente em demasia.
Eis aí, portanto, uma figura que se assemelha ao triângulo: a representação da pirâmide de exploração mundial.

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