São Paulo, domingo, 5 de outubro de 1997
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Um belo exemplo de cretinice

GILBERTO DIMENSTEIN

Está surgindo uma nova profissão: o trabalhador da recreação.
Especialistas em recursos humanos americanos apostam que essa atividade é uma das profissões do futuro. A tendência é pagar melhores salários pela falta de mão-de-obra qualificada.
A razão é simples. À medida que a medicina prolonga a vida do ser humano, gerando batalhões de aposentados saudáveis, e os trabalhadores dispõem de mais tempo livre graças "às novas tecnologias", o lazer vira uma atividade ainda mais lucrativa.
É exigida, assim, toda uma rede de empregos para satisfazer essa nova realidade, entre eles o profissional especializado em recreação.
Sua tarefa: organizar recreações conjuntas em parques, bibliotecas, clubes, escolas, museus ou templos religiosos.
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A tendência foi captada pelo melhor radar de empregos nos Estados Unidos.
É um sofisticado programa do governo americano, que tem uma equipe de analistas que estuda mês a mês a evolução das profissões.
Esse programa, chamado Perspectivas Ocupacionais, da secretaria do Trabalho, acompanha há meio século a evolução das carreiras, fazendo projeções para facilitar a vida dos jovens que ainda querem saber de onde vão tirar seu sustento.
Eles foram notando que o trabalhador da recreação foi deixando de ser apenas um bico para estudantes durante as férias de verão. Ou trabalho de caridade com idosos.
No começo da década de 90, metade dos "trabalhadores da recreação" já trabalhava em tempo integral.
A cada ano, a proporção foi aumentando, fazendo com que esse tipo de categoria ganhasse dos especialistas o título de "profissão do futuro", representantes da "era do lazer".
Não é fácil a tarefa dos responsáveis pelo programa "Perspectivas Ocupacionais". Exige extrema agilidade.
Exemplos: há 20 anos eles previram, e estavam certos, que uma das atividades mais prósperas seria a área de saúde, porque a população estava mais velha. Apostaram que nada cresceria tanto como os enfermeiros que cuidam apenas de idosos.
São obrigados a manter atualizados os perfis de cada profissão, muitas delas em processo veloz de mutação e as novas exigências -além de revelar as tendências do mercado e mesmo descobrir novas ocupações.
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O fenômeno obviamente não é diferente no Brasil.
Daí que uma das maiores cretinices nacionais é obrigar um ser humano aos 16 anos a escolher qual faculdade irá cursar.
Na maioria dos casos, ele nem sequer conhece o leque de possibilidades que se encaixam com suas aptidões e desejos.
Pergunte a professores de colegial sobre se consideram alguém de 16 anos maduro para a escolha. A imensa maioria diz não.
Não é apenas perverso obrigar o indivíduo a fazer essa escolha ainda tão jovem. Mas também um desperdício.
Virou rotina os estudantes mudarem de faculdade depois de dois anos de estudo. Gastaram dinheiro dos pais (se estiverem numa instituição privada). Ou, o que é pior, do contribuinte, se for uma universidade pública.
Em determinadas universidades, de cada 10 alunos, 6 mudam de faculdade.
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Mais grave ainda quando já estão formados. Então, se descobrem trabalhadores infelizes.
Estudos e mais estudos de recursos humanos enfatizam o óbvio sobre a infelicidade: é o melhor caminho para criar o mau profissional. Só faz bem quem gosta do que faz. Até agora não conheci um único indivíduo bem-sucedido que não tivesse prazer pelo seu trabalho.
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O modelo americano responde muito mais às necessidades contemporâneas, de velozes modificações tecnológicas, do que nosso arcaico modelo europeu.
Lá não se entra direto na faculdade. O estudante passa quatro anos num curso básico, obtendo formação geral. Tem tempo para fazer a escolha com mais segurança.
Ninguém pode dizer que o sistema universitário americano é ineficiente. É onde se produzem as mais importantes descobertas.
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Os pais responsáveis devem ser os primeiros a protestar contra esse esquema, no qual estão montadas máquinas de tirar dinheiro.
Hoje se portam exatamente como patrocinadores da crueldade. Exigem que seus filhos cursem a faculdade, tenham ou não certeza sobre suas aptidões.
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PS - O programa Perspectivas Ocupacionais do governo americano divulgou um texto com as projeções gerais sobre como o mercado de trabalho vai se moldar até o ano 2005. É uma leitura fundamental. É uma pena que o governo brasileiro não tenha projeto semelhante.
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Um resumo está traduzido para o português no seguinte endereço:
www.aprendiz.com/. Quem quiser se aprofundar em inglês ainda mais digite: http://stats.bls.gov:80/ ocohome.htm

Fax: (001-212) 873-1045

E-mail: gdimen@aol.com

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