São Paulo, segunda-feira, 6 de outubro de 1997
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Desnutrição infantil cai pela metade na cidade de SP

NOELLY RUSSO
DA REPORTAGEM LOCAL

Uma boa notícia foi revelada no Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde Pública da Universidade de São Paulo (Nupens/USP): a desnutrição infantil, entre crianças menores de 5 anos, caiu para menos da metade em dez anos, na cidade de São Paulo.
Segundo Carlos Augusto Monteiro, 49, professor-titular do Departamento de Nutrição da Faculdade de Saúde Pública da USP, em 1974, 44,8% das crianças apresentavam algum retardo no crescimento. Entre 1984 e 1985, os índices de desnutrição eram de 30,6%. Atualmente, existem 13,7% de crianças desnutridas.
Os dados estão na pesquisa "A Trajetória da Saúde Infantil como Medida do Desenvolvimento Social: o Caso da Cidade de São Paulo ao Longo de Cinco Décadas".
Os pesquisadores entrevistaram 4.000 famílias espalhadas por toda a cidade. Foram 1.280 crianças menores de 5 anos e 960 mães.
Segundo Monteiro, os resultados da pesquisa mostram que a população, de maneira geral, tem hoje melhor qualidade de vida. "As crianças e as mães estão mais bem alimentadas, quase 100% das crianças estão vacinadas e o nível de escolaridade melhorou muito."
Ele aponta ainda um crescimento médio de seis centímetros nos garotos que vivem em São Paulo. Uma parte da pesquisa mediu cerca de 400 adolescentes alistados no Exército entre 1968 e 1994. As pesquisas foram feitas por arquivo.
Hoje, os teens medem, em média, 1,75 m. Em 68, tinham altura média de 1,69 m. "A cidade de São Paulo caminha para ter uma altura semelhante a dos EUA e Europa. Isso é um sinal de boa nutrição", diz Monteiro. A média de altura nos EUA, entre os garotos dessa idade, é dois centímetros maior. Leia a seguir trechos da entrevista que Monteiro concedeu à Folha na última quinta-feira.
*
Folha - O que tanto mudou em uma década para que os menores de 5 anos apresentem um quadro de nutrição tão animador?
Carlos Augusto Monteiro - Há vários fatores que explicam esse desempenho das crianças. Em primeiro lugar, observamos aumento razoável na renda familiar per capita entre as pesquisas que fizemos na cidade de São Paulo. Não é mais uma questão ligada à pobreza. Em 1985, 22,9% das crianças viviam em famílias com renda de meio salário mínimo. No ano passado, o percentual apontou 9,2% de crianças nessa situação.
Por outro lado, em 85, 39,2% das crianças viviam em famílias que recebiam mais de um salário mínimo. Hoje, o percentual é de 66,3%. Essa melhoria na renda familiar foi responsável por um quinto do declínio na desnutrição infantil.
A escolaridade das mães melhorou bastante também. Em 1985, 10,1% das mães eram analfabetas. Nunca estiveram em uma escola. No ano passado o percentual caiu para 1,3%. Mães que frequentaram a escola por cinco anos ou mais eram 43,1% há 11 anos. Hoje, são 75,8%. A melhoria na escolaridade tem uma importância tão grande quanto a melhoria na renda familiar. A maior escolaridade de quem cuida é muito importante. São pessoas mais esclarecidas, que buscam posto de saúde para vacinar, que procuram alimentar bem os bebês. São pessoas mais exigentes.
Folha - Mas esses indicadores seriam suficientes para apontar melhor qualidade de vida?
Monteiro - Outras coisas melhoraram. Por exemplo, em 1985, 87,8% moravam em casas servidas por água encanada. Hoje, são 94,4%. Há 11 anos, 5% dos menores de 5 anos não tinha nenhum acesso acesso à água da Sabesp; atualmente, são 0,3%. Isso é um dos vários indicadores de melhor qualidade de vida. Outro sinal de melhoria na disponibilidade de serviços públicos para todos os estratos da população é a universalização na cobertura de vacinas nas crianças.
Folha - Como explicar então esse surto de sarampo recente em SP.
Monteiro - Bem, esse é um assunto muito complexo. Surtos como o atual têm ocorrido em países desenvolvidos. Mas acho que o surto hoje mostra que a cobertura vacinal na população infantil é boa. Quantas crianças morreram no surto de sarampo? Quantas pegaram sarampo? (Até agora, cinco crianças com menos de 1 ano morreram na epidemia e 2 com idade entre 1 ano e 9 anos). Talvez seja o último surto que essa cidade vai ver. Em 1983, 161 crianças menores de 1 ano morreram de sarampo em São Paulo.
Folha - E quanto às notícias de que a cobertura vacinal atingiu 90% dos objetivos?
Monteiro - Nossa pesquisa tem números que considero bastante confiáveis. Dividimos a população em quatro faixas pela renda e só consideramos vacinadas as crianças que tinham carteirinha confirmando essa vacinação ou quando a mãe tinha certeza absoluta. Quem ficou em dúvida foi considerado como não-vacinado. O resultado foi o seguinte: na faixa mais pobre, em 1985, 81,7% das crianças eram vacinadas; em 1996, essa taxa subiu para 98,3%.
Na faixa mais rica, os números foram, respectivamente, 90% e 98,7%. Esse resultado significa que a vacinação foi virtualmente universalizada em São Paulo.
Folha - Há outros fatores que influenciaram?
Monteiro - Um outro muito importante: a redução dos nascimentos. Como nascem menos crianças, é possível promover atendimento de melhor qualidade desde a maternidade até a escola.
Folha - A melhoria na nutrição ajudou a derrubar a mortalidade?
Monteiro - A mortalidade caiu, mas não acompanhou o declínio da desnutrição infantil. Em 73, havia 87 mortes de menores de 1 ano para cada mil nascidos vivos. Em 85, a proporção era de 36,5 por mil e em 95, foi de 25,5 para mil.
Folha - São as más notícias?
Monteiro - De certo modo, sim. Para entender por que a mortalidade caiu menos que a desnutrição, temos de observar os recém-nascidos de baixo peso, na medida em que o baixo peso ao nascer é hoje a maior causa de mortalidade infantil em São Paulo. Há 20 anos, o percentual de crianças nascidas com menos de 2.500 gramas era de 10%. Esse é o mesmo percentual atual, ou seja, não houve melhoria quanto à nutrição antes de nascer.
Folha - As mães estão subnutridas?
Monteiro - Não, a obesidade é o principal problema da população feminina na cidade de São Paulo. Eu aponto três fatores para que o baixo peso permaneça e possa até aumentar: aumento no número de mães adolescentes, tabagismo durante a gravidez e o número de partos precoces por cesárea.
Vamos ver cada um deles. Em 1975, 1,4% dos bebês tinha mães menores de 18 anos. Esse percentual aumentou para 4,2% em 80 e no ano passado chegou a 7%.
Quanto ao fumo, está mais que provado que, na gestação, atrapalha o feto. Há 11 anos, 43,3% das mães declararam ser fumantes; hoje, são 31,7%. Caiu, mas não é o suficiente. Mas o pior de tudo é o grande número de cesáreas. Segundo pesquisas, 47% das crianças nasciam de cesárea em 1985 e o percentual é o mesmo hoje.
A cesárea, às vezes, é necessária. Mas em São Paulo e no resto do a maioria das cesáreas são programadas com antecedência, de modo que antecipam o momento do nascimento, roubando dias, ou mesmo semanas, do crescimento intra-uterino.

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