São Paulo, segunda-feira, 6 de outubro de 1997
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Pior que o soneto?

LAURO VIEIRA DE FARIA

Conforme noticiado na imprensa, o Executivo descobriu um equívoco (para maior) nas importações, de US$ 859 milhões no acumulado de janeiro a junho -ou seja, um erro de 2,9% em relação ao total anterior.
Segundo uma autoridade, o erro está dentro do intervalo de confiança normal das estatísticas de comércio exterior.
Interessantemente, a revisão ficou restrita às importações, de modo que a correção do "pequeno" equívoco significou uma grande redução de 15%, no mesmo período, no déficit da balança comercial. Corrigida a falha, as importações teriam sido, na verdade, de US$ 28,632 bilhões e o déficit comercial, de US$ 3,845 bilhões.
A correção de equívocos estatísticos é sempre bem-vinda, mas salta aos olhos o estranho confinamento deste zelo estatístico ao campo das importações. É o caso de perguntar: e as exportações, não teriam sofrido imprecisões semelhantes e no mesmo sentido?
No mês passado, uma plataforma da Petrobrás em viagem de reparos ao exterior terminou entrando nas estatísticas como uma exportação.
Manifestamente, o zelo estatístico não funcionou nesse caso. Pior ainda que esses fatos -a "exportação" da Petrobrás, a falha nas importações e a desconsideração de problemas semelhantes nas exportações- foi a forma anestesiada com que a opinião pública os recebeu.
Poucas vozes se levantaram contra o óbvio ululante: tais erros e procedimentos questionáveis lançam uma sombra de descrédito sobre as demais estatísticas oficiais brasileiras, não só sobre as importações ou as exportações.
De fato, depois de tudo isso, como ter certeza de que a emissão de base monetária está sendo controlada, como mostram os dados do BC? Ou que as reservas internacionais somam US$ 63 bilhões? Ou que os investimentos diretos estão substituindo os créditos de curto prazo no financiamento do déficit em conta corrente, como insistem as autoridades? Ou que o déficit fiscal está caindo como proporção do PIB? Ou que o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) está acertando no cálculo desse mesmo PIB (Produto Interno Bruto) e da taxa de desemprego?
Note-se que a estatística malfeita só piora a situação de credibilidade interna e externa do governo. É bom lembrar que a má qualidade e a omissão de estatísticas importantes da economia constituíram, em boa parte, os estopins das crises cambiais e financeiras recentes do México e dos países do Sudeste Asiático.
No México, o governo do presidente Salinas se recusava a divulgar o valor das reservas cambiais do Banco Central. Na Tailândia, as autoridades omitiram enquanto puderam as vultosas posições em aberto contra a moeda local (o baht) nos mercados futuros de divisas.
Obviamente, problemas semelhantes podem ocorrer quando os números e as metodologias mudam frequentemente, devido a imprecisões diversas ou ao sabor de injunções políticas. A informação muito imprecisa é pouco menos danosa que a falta de informação, e ambas são sinais de fraqueza dos governos.
Como seria de esperar, os mercados não reagiram positivamente depois do anúncio da mudança nas importações. No mercado futuro de câmbio, os contratos em aberto para dezembro de 1997 tiveram seus preços aumentados em 0,05% entre 9 de setembro (data em que foi anunciada a correção) e 12 de setembro. No mercado futuro de taxas de juros de CDI-over, a alta foi ainda maior, de 0,12%. No mesmo período, o índice Bovespa acumulou uma baixa de 3,8%.
Quando a inflação era o mal maior, havia um poderoso constrangimento para as imprecisões dos cálculos oficiais: a aferição dos índices de preços era (e continua sendo) democraticamente dividida por diversos institutos governamentais e privados, de sorte que os eventuais equívocos eram rapidamente identificados pela opinião pública.
Hoje, o maior problema da economia brasileira está focalizado no setor externo, em um desempenho insuficiente das exportações e um grande crescimento das importações, ambos fruto da sobrevalorização expressiva da moeda nacional.
Diversamente da inflação, no caso das estatísticas monetárias, fiscais e do setor externo, não temos os mecanismos de competição entre institutos de pesquisa que restringiam as imprecisões de aferição e de cálculo.
De fato, há um virtual monopólio do Executivo nessas estatísticas, o que torna ainda mais perigoso o seu tratamento imaginativo.

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