São Paulo, segunda-feira, 6 de outubro de 1997
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

A terceira fase do açúcar

LUÍS NASSIF

No sábado passado, em uma fazenda de Ribeirão Preto -que no início do século já foi de Frederico Schimidt, o "rei do café"-, o setor sucroalcooleiro viveu episódio singular, que marca oficialmente sua terceira etapa de existência: o ingresso na era moderna.
A primeira etapa foi a criação do Instituto do Açúcar e do Álcool (IAA), nos anos 20, que tornou-o o setor mais regulamentado da economia. A segunda etapa foi o Fundo de Exportação e o Proálcool, nos anos 70 -gerando volume inédito de recursos para sua modernização.
A terceira fase foi sacramentada na antiga fazenda de Schimidt, numa cerimônia simples que selou a fusão das usinas Santa Elisa (6 milhões de toneladas de cana por safra) e a São Geraldo (2 milhões de toneladas), tendo como sócio minoritário o Bradesco.
Dessa fusão sai não apenas uma superusina, com R$ 280 milhões de faturamento, 8 milhões de toneladas de cana (no seu auge, a produção total de Cuba não passou de 6,5 milhões de toneladas), 9 milhões de sacas de açúcar e 60 milhões de litros de álcool por ano.
É o início de um processo de fusões que deverá alcançar, em breve, todo o setor de usinas e também de moinhos de trigo -segundo a avaliação do presidente do Bradesco, Lázaro de Mello Brandão.
Sinergia e lucro
Neste ano, para um faturamento de R$ 210 milhões, a Santa Elisa deverá registrar lucro de apenas R$ 5 milhões. A São Geraldo, com R$ 70 milhões de faturamento, deverá empatar sua operação.
Com a fusão, de imediato haverá ganho operacional de R$ 20 milhões, e projeção de aumento de vendas de açúcar e álcool de R$ 50 milhões, por conta da racionalização da administração e, especialmente, do transporte de cana.
Em menos de dois anos, investimentos da ordem de R$ 100 milhões permitirão à usina agregar mais R$ 200 milhões em faturamento não-convencional, transformando-a em uma central geradora de utilidades.
O primeiro passo será estimular a produção de energia a partir do bagaço da cana. Atualmente, a Santa Elisa produz, anualmente, o equivalente a 28 mW/h de energia, consome 23 mW/h e vende 5 mW/h para a Companhia Paulista de Força e Luz (CPFL), obtendo receita de R$ 2 milhões.
Com os investimentos (financiados provavelmente pelo BNDES), mais a racionalização do uso da energia interna, a usina se capacitará a vender o equivalente a 100 mW/h no mercado. Com a liberação do mercado de energia elétrica, poderá vender diretamente ao consumidor final, podendo dobrar o preço em relação ao que recebe hoje da CPFL.
A venda de energia permitirá aumentar seu faturamento em R$ 70 milhões -com um resultado operacional superior a R$ 50 milhões.
O segundo subproduto será a produção de CO2, a partir da fermentação da cana. Com parcerias tecnológicas adequadas, apenas o potencial de produção da Santa Elisa permitirá fornecer CO2 para todos os engarrafadores de Coca-Cola do país.
O terceiro subproduto será a ampliação da produção de vinhoto -fertilizante dos mais requisitados do mercado.
Paralelamente, a usina passará a investir em áreas que agregam valor, como comercialização e marketing. E preparar-se para, num prazo médio, organizar um verdadeiro pólo álcool-químico em torno da usina.
Efeito demonstração
Mais importante do que a operação em si, serão os reflexos sobre as usinas da região. Atualmente, são 46 usinas produzindo, respondendo por 30% da produção nacional de cana. Terceira maior moagem do setor, a Santa Elisa não tem mais do que 2% da produção nacional -demonstrando a enorme pulverização do setor.
A escala será fundamental para o setor passar a disputar o mercado internacional de álcool -que, finalmente, começa a se abrir.
Nos Estados Unidos, até o ano 2000 a gasolina deverá ter até 8% de mistura de álcool. Na Comunidade Econômica Européia (CEE), até o ano 2005, 10% da energia deverá ser de fontes renováveis. Já neste ano, a Ford, a General Motors e a Chrysler deverão produzir 600 mil veículos rodando a álcool puro.
Mais do que isso, a partir dessa fusão, da profissionalização da gestão e da abertura de capital, certamente a nova empresa e o Bradesco utilizarão a experiência acumulada na operação para estender a política de fusões para outras usinas.
Essa ameaça obrigará, rapidamente, os principais competidores a iniciar seus respectivos processos de fusões e incorporações, aumentando substancialmente a eficiência do setor.
Capital
Na nova empresa, 72% do capital ficará com a Santa Elisa, 13% com a São Geraldo e 15% com o Bradesco -sendo 7,5% por meio de debêntures, no montante total de R$ 30 milhões.
Pelas avaliações do Bradesco, em 6 meses, completados os ajustes, a taxa interna de retorno deverá ser, no mínimo, de 15% ao ano.

E-mail: lnassif@uol.com.br

Texto Anterior: Pior que o soneto?
Próximo Texto: FHC inaugura hoje em SP a fábrica da Honda
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.