São Paulo, segunda-feira, 6 de outubro de 1997
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Crédito popular na Rocinha

ANTONIO KANDIR

Lojas de material de construção, pequenas lavanderias, bares, cooperativas de costura, entre outros. É amplo o leque de microempreendimentos que estão sendo financiados na Rocinha, uma das maiores favelas do Rio de Janeiro, pela VivaCred, instituição especializada em crédito produtivo popular criada pelo movimento Viva Rio há pouco mais de cinco meses.
Na semana passada, a iniciativa recebeu um reforço de peso. O BNDES, principal banco de fomento do governo federal, assinou contrato com a VivaCred, injetando R$ 600 mil em sua carteira de operações, seis vezes a disponibilidade inicial da instituição.
Com esses recursos, mais R$ 500 mil que em breve deverão ser aportados pelo BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento), será possível financiar 2.400 microempreendimentos por ano, gerando ocupação e renda naquela comunidade. Põe-se em marcha, assim, um processo de inclusão social de proporções apreciáveis, dado que a Rocinha, em população, equivale a uma cidade de porte médio.
O crédito que está sendo ofertado foi feito sob medida. São cinco suas características básicas: 1) liberação simplificada (em média, sai em cinco dias); 2) prazos e formas de pagamento flexíveis; 3) renovação automática (o crédito funcionará nos moldes de um cheque especial); 4) apoio técnico associado ao crédito; 5) custo acessível.
O juro ainda é expressivo, mas incomparavelmente menor que o cobrado pelos agiotas, única fonte de financiamento até aqui disponível para a comunidade. Não há, portanto, exagero em dizer que o governo federal, por intermédio do BNDES, está ajudando a livrar a Rocinha da agiotagem.
O apoio do banco ao VivaCred não é episódico. Faz parte do programa de Crédito Produtivo Popular do governo federal, ao qual se está integrando agora também o Banco do Nordeste, que vem realizando um trabalho notável de apoio a pequenos empreendimentos naquela região. Somam-se, assim, esforços de duas instituições federais de fomento para ofertar, em grande escala, crédito ao pequeno empreendedor sem acesso ao sistema financeiro.
Incorporado ao "Brasil em Ação", programa que reúne os 42 projetos prioritários do governo federal nas áreas social e de infra-estrutura, o Crédito Produtivo Popular vem se estruturando em bases consistentes e ganhando dinâmica cada vez maior, em especial na modalidade "BNDES Solidário", na qual o banco trabalha em parceria com ONGs especializadas na concessão de microcrédito. Também na modalidade "BNDES Trabalhador", cuja operacionalização requer a constituição de fundos estaduais específicos, observam-se avanços importantes.
Prevêem-se aportes no valor de R$ 66 milhões para os fundos de crédito produtivo popular de São Paulo, Bahia, Minas Gerais, Paraná e Distrito Federal. Com a contrapartida desses Estados, no valor de R$ 44 milhões, será possível viabilizar 220 mil operações de microcrédito por ano.
Para implementar a modalidade "BNDES Solidário", o banco realiza um trabalho pouco notado, mas eficiente, de fertilização de organizações não-governamentais aptas a operar no campo do microcrédito. Além disso, prospecta ONGs já constituídas.
O trabalho de construção institucional consiste em formar recursos humanos capazes de avaliar e acompanhar projetos de implantação, sustentação ou ampliação de microempreendimentos, em particular na sua dimensão financeira.
Com esse objetivo, o banco contratou uma consultoria especializada, desenvolveu metodologia específica e tem realizado "oficinas de trabalho", frequentemente em parceria com a Secretaria de Formação do Ministério do Trabalho, em diversas cidades do país.
Como resultado desse duplo esforço de identificação de ONGs já constituídas e formação de novas, o BNDES já aportou recursos para a Porto Sol (Porto Alegre), no valor de R$ 1,8 milhão, e para a VivaCred do Rio, no valor de R$ 600 mil. Estão em via de receber recursos a Casa do Empreendedor (Londrina), o Fundo de Apoio ao Empreendedor Popular (Juiz de Fora), o Banco da Mulher (seções do Paraná e Bahia) e nove Centros de Apoio ao Pequeno Empreendedor, além de ONGs de Curitiba e Blumenau.
A expectativa é que, neste semestre, sejam realizados aportes adicionais no valor total de R$ 13,5 milhões, suficientes para viabilizar 27 mil operações de crédito ao ano em 25 cidades do país.
A parceria com ONGs imprime uma característica inovadora à atuação do banco, igualmente presente em outras ações sociais do governo federal, em particular nas abrangidas pelo Comunidade Solidária.
A coexistência dessas várias iniciativas de parceria, encontradas também nos Estados e municípios, constitui um novo padrão de política social no país, em que a dimensão pública prevalece sobre a estatal e o elemento assistencial-clientelista está ausente.
É um imenso avanço, na medida em que à inclusão social corresponde um novo patamar de exercício da cidadania. Sem troca de favores de um lado, mas também sem doutrinarismo ou enquadramento partidário de outro.
O empenho do governo federal, a seriedade com que o BNDES e o Banco do Nordeste vêm implementando o programa, a atuação convergente dos demais níveis de governo e a resposta positiva que se vem obtendo da sociedade, somados, nos dão a confiança de que pouco a pouco o Crédito Produtivo Popular se transformará em um instrumento poderoso de inclusão social e promoção da cidadania.

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