São Paulo, terça-feira, 7 de outubro de 1997
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Lotação avacalha transporte coletivo paulista

MARILENE FELINTO
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

Agora a cidade de São Paulo deu para andar de lotação, mais precisamente, de Kombi. São brancas, com faixas azuis de identificação, um número atrás, um letreiro no alto: lotação. Coisa mais atrasada.
A cidade ganhou um ar de Bolívia, de Peru, esses países paupérrimos, cuja frota de automóveis data dos anos 40. Ah, os pontuais ônibus de Berlim! Ah, o metrô de Paris!
Como lotação sempre foi sinônimo de falta de ônibus, e como Kombi sempre foi considerada veículo inseguro, instável e "sem frente" que proteja os passageiros numa batida, é de estranhar a adoção regulamentada delas no transporte coletivo de uma metrópole populosa como São Paulo.
No meu tempo de menina (e isso faz quase 30 anos), lotação só ia para o fim do mundo. A gente pegava para ir de Recife a Abreu e Lima, por exemplo, lugar miserável, longe, onde os ônibus não chegavam, ou chegavam muito pouco.
Mas em São Paulo os passageiros aprovaram a perua pau-de-arara: "O lotação é mais rápida, não pára muito, você vai sentado e custa o mesmo preço do ônibus".
Claro que iam gostar. A frota de ônibus é uma sucata só. Coisa desumana, poluidora, barulhenta, desconfortável, insegura, de horário irregular, degraus altos, que os velhos não escalam, os deficientes não galgam. Um lixo.
A própria prefeitura malufista de São Paulo contribuiu nos últimos anos para sucatear a frota: não está nem aí, deve milhões às empresas de ônibus, que ameaçam parar todo dia.
Então a prefeitura recorre ao golpe: o rodízio de carros nas horas de pico, propaganda política copiada da outra, a estadual, do rodízio contra a poluição. Paliativo para encobrir a irresponsabilidade do poder público em questões que são exclusivamente de sua alçada.
A população impotente aprova o lotação, mas não é de todo tapada. Já percebeu que se trata de um mundo meio sem lei, meio clandestino, a despeito da regulamentação oficial.
Um leitor me pediu para denunciar os perueiros que ficam parados nas imediações da estação Jabaquara do metrô. Disse que fazem o que querem, param em lugares proibidos, correm demais e ultrapassam faróis vermelhos. Uns cavalos.
Ah, os trens de Londres! Ah, os yellow-cabs de Nova York! Um verdadeiro exército de táxis amarelos, rápidos, baratos. Enquanto que a bandeirada do táxi em São Paulo é das mais caras do mundo: R$ 3,20!
Ônibus mesmo só em Berlim: largos, limpos, pontuais, baratos e bonitos com seus dois andares. As linhas noturnas passam de 15 em 15 minutos, enquanto São Paulo vira um deserto depois da meia-noite.
O transporte coletivo da maior metrópole do Hemisfério Sul entrou na onda da brasilização, termo inventado pelos americanos, derivado de Brasil, e que significa a condenação dos pobres à pobreza eterna e a consolidação dos ricos na mais-riqueza sempre.
Onde se lia nos ônibus da cidade, "Transporte, um direito do cidadão, um dever do Estado", leia-se "Sem Kombi o Brasil não anda". A Volskwagen é que deve estar contentíssima.

E-mailmfelinto@uol.com.br

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