São Paulo, terça-feira, 7 de outubro de 1997
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Ainda as esquerdas

ANDRÉ LARA RESENDE

Fernando Henrique citou, recentemente, Roberto Freire como exemplo do político de esquerda que parece ter compreendido a mudança dos tempos. A propósito do que escrevi, na semana passada, sobre Ciro Gomes e as esquerdas, recebi de um amigo atento um interessante artigo de Roberto Freire e Caetano Pereira de Araújo.
"Nova e velha esquerda: balanço e perspectivas" é o título do trabalho publicado no primeiro número da revista "Política Comparada". O diagnóstico é conhecido: o fim do comunismo levou o pensamento político de esquerda à perplexidade. Os autores citam Hobsbawn: as esquerdas acreditavam ser o futuro e, subitamente, o capitalismo parece ter arrebatado o futuro de suas mãos.
Nesse contexto, segundo eles, surge um novo alinhamento que opõe as esquerdas tradicionais às novas esquerdas. A velha esquerda, diante da incompatibilidade entre a realidade e suas teorias, agarra-se aos seus dogmas. Para ela, o comunismo foi derrotado por erros táticos ou pela aplicação incorreta de princípios sempre válidos. Para a nova esquerda, ao contrário, o fim do socialismo deve-se à revolução tecnológica dos últimos 25 anos, que impulsionou o processo de globalização numa escala e numa intensidade sem precedentes. Esse processo envolve hoje todas as esferas da vida humana e não é passível de reversão no horizonte perceptível.
Uma série de avanços inter-relacionados nas áreas da microeletrônica e da informática, entre outras, com impacto revolucionário nos transportes e nas comunicações, alterou profundamente o processo produtivo. Até então, a economia planificada, com decisões centralizadas, fora capaz de ser produtiva. Com a revolução tecnológica, a circulação de informações e a descentralização das decisões tornaram-se imprescindíveis para a eficácia produtiva. Em suma, concluem, mercado e democracia tornaram-se fundamentais.
Freire e Pereira de Araújo reconhecem que a nova realidade tecnológica transformou o trabalho. A oposição fundamental para a antiga esquerda entre capital e trabalho, centro da superação do capitalismo, perdeu importância. O operário perdeu a capacidade de personificar a opressão e a exploração. Os que prezam a igualdade e a liberdade devem adotar novas referências que incluam os deixados à margem da força de trabalho.
O processo de globalização é irreversível e a eficiência produtiva não pode prescindir do mercado e da democracia. Aceitas estas duas premissas, acredito, grande parte das bobagens em torno do "neoliberalismo", do "consenso de Washington" e de outros tantos clichês que entulham o debate político poderiam ser descartados.
Estaríamos assim próximos do consenso? Claro que não. Os autores adotam uma posição pessimista sobre a capacidade do capitalismo da revolução tecnológica criar empregos; acreditam na tese da inevitabilidade do desemprego estrutural. Consideram que o mercado deve ser devidamente regulado e limitado; ouvido, mas nem sempre seguido, que a abertura comercial nem sempre é a melhor política. Não tenho dúvida de que discordamos sobre o futuro do desemprego, sobre o sentido do mercado "regulado" e sobre os benefícios do comércio internacional. Mas, não há como negar, a partir de suas premissas, o debate seria bem mais estimulante e produtivo.

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