São Paulo, terça-feira, 7 de outubro de 1997
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Querido frei Betto

JOSÉ CARLOS GRAÇA WAGNER

Está bem que você, no artigo "Querido papa" (Folha, 5/10), tenha a liberdade de defender o que bem entender no uso do livre-arbítrio -o qual, aliás, você tem a oportunidade de usar porque sua mãe não era abortista.
Mas você não admite a liberdade de pensamento dos outros. Por exemplo, despreza quem condena Fidel Castro como um tirano. Sua política de intervenção em tantos países da América Latina levou à morte um número incalculável de pessoas, vítimas da luta armada das guerrilhas "socialistas".
A loucura fidelista de tornar a América Latina socialista gerou regimes militares, que poderiam não ter existido, e provocou a perda da liberdade de milhões de pessoas, em Cuba e fora.
Você conhece a realidade das prisões do regime castrista e não levanta uma única palavra contra as torturas, cuja finalidade é destruir a dignidade do preso político. Basta ler "Cuba: Mito y Realidad", de Juan Clark, e outros livros de prisioneiros políticos, como o de Armando Valladares.
No artigo contra as posições do papa, você defende teses que levariam à destruição da igreja no seu duplo sentido: divino e humano. Isso facilitaria o propósito, declarado em seu livro, de transformá-la numa igreja política revolucionária, que sirva aos interesses definidos pelo Foro de São Paulo, fundado pelo PT em 1990 a pedido do PC cubano.
Como diretor da revista oficial do foro, "America Libre", de circulação continental, você nada desconhece sobre o acordo espúrio, em Princeton, com o Diálogo Interamericano, do qual fazem parte Fernando Henrique e Lula.
Sabe também que o projeto estratégico das duas entidades citadas é continental e inclui providências que o papa condena, como a esterilização das mulheres, o aborto, a união entre homossexuais, a dissolubilidade do casamento, o casamento de sacerdotes, o misticismo individual independente de hierarquia (o que, simplesmente, tornaria a igreja inútil) e, por fim, o uso da infra-estrutura da Igreja Católica em todo o continente com o objetivo de implantar o socialismo.
Na sua carta ao "querido" papa, você, como de hábito, confunde todos os alhos com todos os bugalhos. Usa "palavras de ordem" retiradas isoladamente do Evangelho, tal como faz a Teologia da Libertação, para chegar às conclusões mais estapafúrdias com aparência de verdade. Até em razão da ignorância religiosa, uma das maiores consequências da teologia sociopolítica, que abandonou a evangelização pela politização.
Mas o auge foi o trecho sobre a proibição das armas, bem como a da pena de morte, pelas quais você reivindica do papa a mesma veemência com a qual ele abomina o aborto. Será que você, de fato, é incapaz de ver a diferença? Melhor se assim fosse, como na cegueira de que fala o Evangelho -assim não seria imputável a má-fé.
A doutrina da igreja condena a guerra e propugna pela paz, mas admite -porque, lamentavelmente, há muitos que não seguem os ensinamentos de Cristo- a legítima defesa dos povos e das pessoas. A pena de morte, aliás, não é doutrina da igreja, cujo catecismo atual a condena. Mas os dois casos envolvem homens com consciência livre e responsabilidade no exercício do livre-arbítrio.
O aborto mata um inocente, concretizando a pena de morte de alguém indefeso. Você diz que é contrário à pena de morte, mas admite-a sem um julgamento justo para o feto.
O aborto defrauda o direito de Deus, que, ao conceder ao novo ser uma alma, lhe dá os dons e talentos para que ele cumpra, usando o livre-arbítrio, a vontade de Deus em sua vida. Impede, assim, que o novo ser exerça a sua função pessoal e social no mundo.
Apesar disso, os abortos têm sido feitos com liminar e alvarás judiciais, o que não exime os hospitais e os médicos de responsabilidade penal. Quando um juiz procede assim, ele se torna cúmplice de um crime.
Se o Ministério Público quiser cumprir o seu dever, deverá iniciar os procedimentos adequados contra juízes, médicos, hospitais e parturientes logo que tenha notícia do ilícito. De fato. O artigo 128 do Código Penal, velho de 57 anos, foi feito na vigência da Constituição de 37, da ditadura do Estado Novo, que não protegia o direito à vida.
Por último, a sua menção a d. Hélder Câmara, no final do artigo, demonstra seu desconhecimento da atual posição do cardeal sobre o fracasso do clero na evangelização dos ricos a favor dos pobres. Isso há muito deixou de ser uma tese dos "cristãos" social-marxistas.
Para eles, os ricos já estão condenados ao inferno -pelo menos ao inferno dos regimes socialistas que frei Betto quer implantar no país por meio do MST, do qual é consultor.

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