São Paulo, quarta-feira, 8 de outubro de 1997
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As barreiras quase invisíveis

MIGUEL JORGE

A pedido do governo, a Fundação Centro de Estudos do Comércio Exterior -Funcex- fez um estudo para mostrar o quanto a política comercial dos Estados Unidos, que se apresentam como os maiores defensores do livre comércio, é incoerente com esses princípios.
O estudo lista as barreiras comerciais de 24 países que compram 74% dos produtos brasileiros. Os Estados Unidos aparecem entre os mais protecionistas.
O documento da Funcex mostra, com números, as razões pelas quais algumas nações ficam mais prósperas, outras muito mais pobres e um terceiro grupo acaba praticamente excluído da competição mundial.
O estudo é uma peça para a reflexão de toda nossa sociedade, que deve preparar-se para dias ainda piores se não souber resistir às pressões internacionais contra suas importações.
Segundo o documento, os picos tarifários do Canadá (339%), China (220%), Estados Unidos (188%), União Européia (117%), Japão (56%), Coréia do Sul (50%) e México (25%), além de outros, trazem graves danos às trocas internacionais.
Em relação ao comércio com os Estados Unidos, 350 empresas brasileiras já denunciaram a aplicação de direitos antidumping contra 23 produtos nacionais pelos Estados Unidos e contra 11 por parte da União Européia.
Para defender sua economia, os Estados Unidos praticam agressiva política de sobretaxas (tarifas adicionais decididas caso a caso, que podem atingir quase 80%, dependendo do país, a exemplo do suco de laranja brasileiro).
Nos últimos quatro anos, a tarifa máxima americana mais que dobrou, subindo de 72% para 188%, enquanto a estrutura tarifária manteve-se intacta, englobando grande número de produtos sujeitos à alíquota acima de 50%.
As exportações brasileiras de sementes e frutas oleaginosas, antes sujeitas à tarifa máxima de 8%, passaram a enfrentar tarifas de mais de 100% desde 1995: além disso, desde 1980 já foram abertas 42 investigações contra o Brasil sob alegação de dumping.
A Funcex revela também que frutas e calçados são os produtos brasileiros sujeitos às maiores tarifas -máximas de 151% e 48% e médias de 9,9% e 14,7%, respectivamente.
Para uso externo, os Estados Unidos dizem que sua tarifa média é de 5,1%, abaixo dos 13% da brasileira. Mas, na realidade, os produtos que importam recebem a incidência de várias taxas que bloqueiam a importação de outros países.
Exemplo clássico é o fumo brasileiro: sujeitos a tarifa "ad valorem" de 0%, as exportações do Brasil, na verdade, estão gravadas por tarifas específicas -no fumo sem talo, podem chegar a 335%.
Em reuniões diplomáticas, Washington sempre diz que não se opõe a nenhum acordo regional de comércio (Mercosul) que não o discrimine em relação a outros parceiros nem a interligações do seu mercado em blocos mais amplos (Nafta).
Foi assim, por exemplo, com o ex-chefe de gabinete e amigo pessoal do presidente Bill Clinton, que visitou recentemente o Brasil como conselheiro especial da Casa Branca.
Após detectar o interesse do presidente Clinton pela América Latina, Marck McLarty afirmou à platéia da Conferência das Américas que uma área de livre comércio no hemisfério é vital para os Estados Unidos.
Até aí não falou nada de novo -primeiro, Washington diz que não se opõe ao Mercosul; em seguida, endurece ainda mais as medidas protecionistas contra produtos brasileiros.
A questão fundamental é outra -é saber se o Brasil e o Mercosul se curvarão à caça aos seus produtos, fazendo concessões ou negociando acordos isolados, como uma colcha de retalhos, ou se usarão a ocasião para negociar a extinção das barreiras tarifárias.
A melhor maneira de resolver disputas é exatamente aproveitar impasses prolongados, para deixar claro à outra parte como se sente o Brasil com esses obstáculos às suas exportações.
Em entrevista recente, o presidente Fernando Henrique Cardoso afirmou, com perfeita consciência do problema, que a "globalização interessa a todos; é um fenômeno do qual não se escapa, mas que favorece uns e prejudica outros".
Em editorial, "O Estado de S.Paulo" tocou no mesmo ponto quando sustentou que "o livre mercado e o livre comércio costumam ser mais elogiados que praticados" e que "a meta do governo Clinton é derrubar tarifas de seus parceiros".
Quando for preciso dizer não às barreiras comerciais que limitam o Brasil em sua liberdade no comércio internacional -e este é o momento para fazê-lo- é fundamental não voltar atrás, qualquer que seja a reação.
O governo, o Congresso, os setores público e privado -a sociedade brasileira, enfim- devem caminhar juntos nesse propósito, para que o país possa prosseguir na sua reconstrução econômica e na tarefa de melhorar a vida dos seus cidadãos.

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