São Paulo, quarta-feira, 8 de outubro de 1997
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Incompetentes puseram nosso futebol no exílio

ALBERTO HELENA JR.
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

Basta olhar essa seleção que joga com o Marrocos amanhã pra se ver a outra face da moeda: de um lado, um futebol pródigo na geração de jogadores de altíssimo nível técnico, que, mal revelados, fazem as malas e partem em busca dos dólares que aqui escasseiam; de outro, o que resta por aqui, um contingente de bons jogadores que faria inveja, digamos, às seleções de médio porte da Europa e da América do Sul, mas que longe está de representar o tetracampeão.
Na divisa, nossa incompetente cartolagem, incapaz de cumprir a missão mais elementar: criar um calendário racional, permanente e, por decorrência, lucrativo.
E não me venham com a velha história de que somos um país pobre; logo, submisso aos mercados mais poderosos. A Espanha, por exemplo, há 20, 30 anos, era a porta de entrada da África mais subdesenvolvida; não produzia nada além de azeite de oliva e vendia apenas o negro moralismo franquista. Mesmo assim, era uma potência econômica no futebol, sem ter jamais cogitado ser campeã do mundo. Era, como continua sendo, rica importadora de talentos por força exclusiva da organização do seu futebol.
Cito os espanhóis para citar um povo latino, apaixonado, muitas vezes irracional, como nós. Logo, não há uma única justificativa -a não ser a notória incapacidade (agora, acrescida de safadeza) de nossos dirigentes- para o êxodo em massa, progressivo e interminável dos craques que fariam dos nossos campeonatos os mais rentáveis e espetaculares de todo o planeta.
Nem mesmo a chamada globalização, pois a maioria dos exilados não vê a hora de voltar. Resumindo: esses safados e incompetentes puseram o Brasil do futebol no exílio.
Não está na hora de invertermos essa situação?
*
Marta Suplicy revela a Cosette Alves, nesta Folha, que quer organizar a sociedade para proteger as crianças da violência, do bizarro e do mau gosto na TV. Josias de Souza, em brilhante artigo, transfere a questão para o seu núcleo real: os pais transmitindo aos filhos a capacidade de escolha.
Ambos são longos e duros caminhos, pois implicam na construção de um verdadeiro conceito de cidadania, numa sociedade viciada em tomar atalhos que a levem rapidamente ao alcance do consumo prazeroso e fácil.
Seria o mesmo que exigir do torcedor de futebol que se organizasse para combater a má organização do nosso futebol, promovendo boicotes às bilheterias. Na verdade, ele já o faz, como provam as ausências nos estádios. Assim como o boom de emissoras por assinatura revela uma exigência de mercado, não inteiramente satisfeito com o esquema das TVs abertas, reféns do Ibope.
Mas ninguém haverá de convencer tanto o telespectador comum quanto o torcedor da rua a sair por aí, combatendo os excessos do Gugu ou as carências do Ricardo Teixeira.
Ajudaria muito, no caso, convencer, digamos, uns 80% do PIB nacional a anunciar em programas edificantes. Isso, em três ou quatro telefonemas, essas duas maravilhosas mulheres tirariam de letra. Como um gol de Ronaldinho.

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