São Paulo, quarta-feira, 8 de outubro de 1997
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A reforma da Previdência no Senado

VICENTE PAULO DA SILVA

O Senado deve votar em segundo turno hoje as propostas de mudanças na Previdência Social.
Quando a reforma foi apresentada ao Congresso, logo no início do governo FHC, a tônica dos discursos palacianos era "fim dos privilégios", "igual cobertura para todos", "aperfeiçoamento do sistema", "melhoria do poder aquisitivo dos benefícios".
Passados pouco mais de dois anos, entretanto, o que se vê agora é praticamente o inverso de tudo quanto foi apregoado pelo governo naqueles dias.
Isso demonstra a verdade do que, já naquela época, desconfiávamos: a reforma, como intencionava o governo, tinha por principais objetivos o corte de despesas, em prejuízo dos trabalhadores de menor renda, e a ampliação das possibilidades de privatização de parte do sistema, em detrimento da previdência pública.
Essa assertiva pode ser confirmada pelo que o Senado já aprovou em primeiro turno. Os verdadeiros privilégios continuam, e até se ampliam, com a reforma. É o caso de magistrados, militares e detentores de cargos eletivos e de cargos em comissão.
Para os magistrados, a reforma mantém um injustificado tratamento diferenciado em relação aos demais servidores, com aposentadoria antecipada.
Os militares ficam com seu sistema de aposentadoria absolutamente intacto, sem alteração em relação ao atual. Ao se aposentar, ganham aumento, enquanto outra parte dos trabalhadores mantém seus ganhos, e a maioria tem seu salário diminuído. O ideal seria que todos mantivessem o mesmo salário.
Os detentores de cargos eletivos (senadores, deputados, prefeitos, governadores, presidente etc.) e de cargos em comissão passam a poder acumular aposentadorias com a remuneração de cargos, chegando a salários -esses, sim- dignos de verdadeiros "marajás" do serviço público.
Deputados federais e senadores, além do mais, terão mantido um sistema próprio de previdência que lhes permite usufruir de uma aposentadoria de no mínimo R$ 2.000, bastando para isso que confirmem haver completado um mandato de quatro anos. Mesmo com a decisão sobre o fim do IPC, não estou seguro sobre a queda dos privilégios.
Enquanto isso, os trabalhadores e servidores públicos que efetivamente dependem da aposentadoria para sobreviver e que ingressarem no mercado de trabalho após a aprovação da reforma terão que trabalhar, no mínimo, até os 60 anos (homem) ou 55 (mulher), ainda que tenham tempo de serviço de 35 ou 30 anos, respectivamente.
Essa "pequena" mudança significará que o trabalhador que inicia a vida laboral mais cedo (aos 12, 13, 14 anos) terá que trabalhar -e contribuir- mais do que aquele que começa aos 25 anos e, geralmente, teve acesso às universidades privadas ou públicas (ou seja, por ter tido melhores condições de vida, pôde dedicar seus primeiros 25 anos só aos estudos). É essa a proteção social proposta pelo governo: quem pode mais paga menos, e vice-versa.
Acrescente-se a esse absurdo o fato de que o trabalhador que ingressa cedo no mercado, e que mantém salários mais baixos durante a maior parte da vida laboral, geralmente tem menor perspectiva de vida.
Essa perspectiva chega no máximo aos 55 anos em regiões como a Zona da Mata de Pernambuco ou nas minas de carvão do Sul do país. Portanto, boa parte dos trabalhadores não chegará a usufruir da aposentadoria defendida pelo governo, pois morrerá antes.
Professores e outros trabalhadores que exercem atividades penosas ou insalubres, por outro lado, perderão o direito à aposentadoria antecipada, como se fosse possível extrair de seus corpos o mal já adquirido em anos de exercício de profissões desgastantes.
Por tudo isso, mantemos nossa posição contrária à proposta do governo e defendemos, como alternativa, uma reforma que tenha início pelo combate efetivo à sonegação e às fraudes, que chegam juntas a algo próximo de R$ 25 bilhões.
Queremos, ao mesmo tempo, a adoção de uma política econômica que, em vez de gerar a exclusão no mundo do trabalho, incentive a formalização da economia, produzindo mais riquezas e maior arrecadação previdenciária.
Mantemos nossa posição de reformar a Previdência no sentido solidário, público e democrático. Combatendo privilégios e garantindo direitos. Dessa forma, fortalecer a mobilização e fiscalizar o comportamento dos parlamentares será decisivo.
Fora dessa perspectiva, tudo mais não passa de um arranjo muito mal-acabado e desavergonhado, pelo qual o povo, em sua grande maioria, continuará esperando meses na fila para receber uma mísera aposentadoria de um salário mínimo. Se estiver vivo.

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