São Paulo, quinta-feira, 9 de outubro de 1997
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Cuidem das mulheres

THOMAZ RAFAEL GOLLOP; SILVIA PIMENTEL

THOMAZ RAFAEL GOLLOP
e SILVIA PIMENTEL
A regulamentação da assistência pelo Sistema Único de Saúde às mulheres que necessitam recorrer ao abortamento, nos casos já previstos em lei sancionada há 57 anos, obriga-nos a realizar uma análise mais desapaixonada. Trata-se de direito adquirido há muito tempo e que beneficia a maioria das mulheres do país, que pertencem à população de baixa renda.
Dados do Congresso da Federação Internacional de Obstetrícia e Ginecologia, realizado em Copenhague em agosto de 1997, mostram que, enquanto morre uma em cada 3.000 mulheres em idade reprodutiva (15 a 45 anos) vítima de abortamentos realizados em condições inseguras nos países desenvolvidos, a proporção de mortes é de 1/200 na América Latina e 1/100 na África. Quanto piores as condições socioeconômicas, maior é a mortalidade materna em razão do aborto clandestino.
Por outro lado, é fundamental levarmos em conta que as mulheres representam hoje a maioria da população brasileira (51%), estão mais esclarecidas em relação aos seus direitos reprodutivos e representam uma força eleitoral indiscutível. Suas opiniões terão peso considerável nas eleições de 1998.
É lógico imaginarmos que a questão do abortamento não poderá mais ser marginalizada, como nas eleições de 1994, quando foi evitada pelos principais candidatos à Presidência. Diga-se de passagem que a postura do presidente Fernando Henrique Cardoso no atual debate sobre a questão deixa muito a desejar.
Candidatos ao Congresso deverão estar atentos para o fato de que melhor representarão a opinião pública ao defender teses que descriminem o aborto e o considerem questão de livre-arbítrio.
Não será inútil comentarmos dados sobre a postura de diferentes segmentos da sociedade também em outros países considerados essencialmente católicos na América Latina -como a Colômbia, por exemplo. Em novembro de 94, foi realizado um Encontro de Investigadores sobre Aborto Induzido na América Latina e no Caribe, patrocinado pela Universidade Externado de Colômbia, em Bogotá.
Fica evidente nos dados então divulgados que a maioria das mulheres católicas que aborta desconhece a pena de excomunhão que a Igreja Católica propõe. Há uma consciência clara de que a prática pode significar uma rejeição de Deus por elas, mas a maioria reconhece que, dadas as circunstâncias individuais, recorrer ao aborto foi a atitude menos prejudicial.
No Brasil não parece ser diferente. Embora a Folha, em pesquisa recente entre paulistanos, não tivesse se limitado a obter informações apenas entre mulheres, é fundamental reconhecermos o valor dos seguintes dados: 64% da população considera que o aborto deve ser permitido em casos de malformação fetal, 77%, em situações de estupro e 79%, em casos de risco para a vida da mãe.
Os senhores congressistas, eleitos para representar os legítimos interesses da população, devem prestar atenção a seus anseios.
Vale assinalar que a questão do abortamento é tratada, com frequência, de maneira preconceituosa e sem o devido cuidado na formulação de posições. As leis, por outro lado, devem adequar-se aos mais legítimos interesses da sociedade e vir imbuídas da idéia de que nosso Estado é laico e deve respeitar o pluralismo cultural e religioso de seus integrantes.
Está mais do que na hora de nossos congressistas incorporarem conceitos de direitos reprodutivos assumidos pelo governo brasileiro, como os do parágrafo 88 do Programa de Ação Regional para as Mulheres da América Latina e Caribe, 1995-2001: "(Os governos deverão...) proporcionar melhores serviços de planificação familiar e estabelecer para todas as mulheres, incluindo as mulheres com gestações não desejadas, sistemas de informação e assessoramento humanitário em que se reconheça a importância do aborto como um problema de saúde pública."

Thomaz Rafael Gollop, 50, é livre-docente em genética médica pela Universidade de São Paulo e diretor-superintendente do Instituto de Medicina Fetal e Genética Humana de São Paulo.

Silvia Pimentel, 57, é professora da Faculdade de Direito da PUC-SP, membro do Conselho Diretor da Comissão de Cidadania e Reprodução, coordenadora nacional do Comitê Latino-Americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher e conselheira do Conselho Estadual da Condição Feminina de São Paulo.

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