São Paulo, quinta-feira, 9 de outubro de 1997
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Obra de Nuno Ramos sofre com descuido em Orlândia

JOSÉ ALBERTO BOMBIG
EDITOR-ASSISTENTE DA FOLHA RIBEIRÃO

Menos de um ano após ter sido concluída, a instalação "Matacão", do artista plástico paulistano Nuno Ramos, em Orlândia (370 km ao norte de São Paulo), está se transformando em depósito de entulho e criadouro de mosquitos.
A obra -composta por 12 rochas de granito de até 25 toneladas, acomodadas em covas- está abandonada, sendo engolida pelo matagal.
"Matacão" ficou pronta em dezembro do ano passado, após seis meses de trabalho intenso de Nuno Ramos. "Fui a Orlândia umas 25 vezes", diz o artista.
A idéia da obra partiu do ex-prefeito da cidade Steven Binnie, conhecido como Estevão, amigo do artista plástico.
Para isso, foi desapropriada uma área com cerca de 40 mil metros quadrados, que abrigaria um parque.
"É um dos trabalhos que eu mais gosto, de grande ambição estética. Fiz para o Brasil, para um lugar onde o acesso à cultura é restrito", diz Nuno Ramos.
Mas a atual administração de Orlândia, cidade com 34 mil habitantes, revogou o decreto que desapropriava a área e engavetou o projeto do parque.
Com isso, a "Chuva de Meteoros", como foi batizado o conjunto, deixou de receber manutenção.
A área, de acordo com a administração, tem diversos proprietários, que não têm a intenção de arcar com os custos da manutenção.
"É uma obra pública em grande escala, sem a verticalização que marca esse tipo de trabalho. Você tem que caminhar para ver, é peripatético", diz Nuno.
Caminhar por entre as rochas da instalação está praticamente impossível. No local, além do mato, estão lixo doméstico e detritos da construção civil.
As covas, que têm até 2,5 m de profundidade, recebem lixo e algumas acumulam água da chuva, favorecendo a reprodução de mosquitos.
O mato no terreno não é cortado há pelo menos oito meses. Nada também é feito para impedir que as pessoas joguem lixo.
"A obra do Nuno não é responsabilidade minha. O valor do terreno era alto, e não temos dinheiro para desapropriá-lo", diz o atual prefeito de Orlândia, José Henrique Orsi (PFL).
À época, o trabalho provocou polêmica na cidade.
"Não é uma obra de fácil compreensão", diz o atual secretário da Cultura de Orlândia, Cyro Armando Catta Preta.
O ex-secretário da Cultura Celestino Sarti diz que a prefeitura não gastou dinheiro com a instalação em 96.
Segundo ele, a intenção era enriquecer o patrimônio cultural da região. "O Nuno Ramos não cobrou nada, e o material foi pago pelo próprio prefeito da época", diz.
A Folha tentou falar, por telefone, com o ex-prefeito Estevão, mas ele disse, por meio de sua secretária, que não poderia atender.
Currículo
Nuno Ramos é considerado um dos principais artistas de sua geração. Entre os seus trabalhos, está "111", que participou da Bienal Internacional de São Paulo.
"Ele é um dos artistas mais importantes do Brasil atualmente. Tem um trabalho original, uma riqueza de produção grande", diz o crítico de arte da USP (Universidade de São Paulo) Lorenzo Mammi.
O crítico Alberto Tassinari divide a obra do artista em quatro fases, pautadas pelos verbos "gestar", "justapor", "aludir" e "duplicar".
Segundo ele, "Matacão" está situada na quarta fase, marcada, entre outras coisas, pelo contato com a natureza, com o mundo, por meio das grandes pedras.
Tassinari e Mammi, em conjunto com o crítico Rodrigo Naves, publicaram recentemente o livro "Nuno Ramos" (Ática).
Tassinari lamenta a situação atual de "Matacão". "O ideal é que se encontre uma solução, porque o trabalho está em um lugar bonito, que liga a cidade à zona urbana, com uma bela paisagem."

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