São Paulo, sexta-feira, 10 de outubro de 1997
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Aposentadoria dos juízes: privilégio ou direito?

MAILSON DA NÓBREGA

Influenciado pela opinião pública, o Senado eliminou a aposentadoria especial dos juízes, que agora terão tratamento igual aos demais servidores públicos. No clima, cancelou também a dos militares. É muito provável que a Câmara confirme a decisão.
O texto aprovado prevê que apenas os servidores que ganhem até R$ 1.200,00 por mês farão jus à aposentadoria integral. Acima desse valor, o benefício será de 70% da remuneração do cargo.
A mesma regra será aplicada aos magistrados, conforme a nova redação do artigo 93, inciso 6º, da Constituição. Foi excluída a expressão "no que couber", que constava da versão anterior.
Sem eliminar o acréscimo, a regalia poderia ser mantida por interpretação, caso em que os magistrados continuariam aposentando-se com vencimentos integrais por invalidez ou aos 60 anos de idade.
O tema, como seu viu, gerou muita discussão. Uns sustentavam que a aposentadoria integral dos juízes era um direito, enquanto outros a caracterizaram como um privilégio.
Era difícil justificar essa aposentadoria especial invocando-se o princípio da independência do Poder Judiciário, como alguns tentaram.
O privilégio, criado pela Constituição de 1988, será mantido para os aposentados e para os que completaram tempo para usufruí-lo, preservando-se os direitos adquiridos.
As pressões exercidas pela AMB (Associação dos Magistrados Brasileiros) não se destinavam a defender esses direitos, mas a manter intocado o regime especial.
A tese do tratamento diferenciado era simpática e se prestava a falácias. Alegou-se que a regalia tinha a ver com a missão dos juízes, tida como distinta da do burocrata.
Outros argumentaram com a relevância da prestação jurisdicional e a necessidade de atrair talentos para a carreira, garantindo vida digna após anos de dedicação exclusiva.
O líder do PSDB no Senado saiu-se com uma pérola (Panorama Político, "O Globo", 8/10/97): a magistratura é uma carreira de Estado, que exige tratamento diferenciado. Cabe perguntar: e as outras inúmeras carreiras de Estado?
Houve quem dissesse que a vantagem compensava os gastos que os juízes têm de fazer com a compra de livros e comparecimento a seminários. Sem comentários.
Seria plausível uma política salarial diferenciada para os juízes, nunca a aposentadoria especial. Na origem da defesa do privilégio está a ausência, no Brasil, de nexo entre as regras da concessão de aposentadoria e as contribuições dos beneficiários.
Na Grã-Bretanha, a remuneração dos servidores públicos da ativa, incluindo os juízes, leva em conta a complexidade e a responsabilidade das respectivas funções.
O secretário-permanente do Ministério da Fazenda ("the exchequer"), o equivalente aqui ao cargo de secretário-executivo de ministério, tem um salário superior ao de seus colegas de outras pastas, mas não uma regra distinta para a aposentadoria.
Nenhuma sociedade rica adota os generosos padrões de aposentadoria de certos funcionários públicos brasileiros. Dependendo do país, a remuneração na inatividade é de 70% a 75% dos vencimentos, observado um determinado teto.
As vantagens desses servidores constitui a mais grave das distorções dos gastos previdenciários no Brasil. Em 1996, os dispêndios com os inativos e pensionistas da União foi de R$ 17,1 bilhões, enquanto as contribuições não passaram de R$ 2,6 bilhões.
Para ter uma idéia do problema, esses dispêndios correspondem à arrecadação líquida do Imposto de Renda, que em 1996 foi de R$ 17,8 bilhões (arrecadação bruta de R$ 33,7 bilhões menos 47% de transferências constitucionais).
Esta é mais uma prova de que, aqui como lá fora, os sistemas de bem-estar social beneficiam a classe média e não, como se supõe, os pobres. Paternalistas, esses sistemas acomodam os beneficiários, desestimulando o investimento no progresso individual.
Por tudo isso, em uma futura reforma adicional da Previdência, caberia discutir se os servidores deveriam ter um regime público especial de aposentadoria fora do INSS.
Quanto aos juízes, cabe conceder-lhes, na ativa, vencimentos compatíveis com a sua missão e as possibilidades do Erário.
O valor da aposentadoria deve depender da decisão de cada um, isto é, do quanto contribuírem para ela durante a carreira e não de regras especiais distintas das dos demais servidores públicos. A preservação do privilégio os colocaria mal perante a sociedade.

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