São Paulo, sexta-feira, 10 de outubro de 1997 |
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Suíço reconstitui guerrilha na Bolívia
CLAUDINÊ GONÇALVES
Depois de ter combatido ao lado de Fidel Castro, em Cuba, Guevara renunciou ao cargo de ministro da Agricultura e decidiu continuar a revolução que, em princípio, deveria se estender a toda a América Latina. Depois de uma viagem à África, foi guerrear na Bolívia, onde passou quase um ano antes de ser preso e fuzilado na escola da cidade de Higueras. Durante esse período, Guevara redigiu um diário. Richard Dindo foi o primeiro a filmar o original do material, guardado a sete chaves no subsolo do Ministério das Relações Exteriores, em La Paz. A partir do diário, lido em "off" pelo ator francês Jean-Louis Trintignant, o cineasta reconstitui toda a trajetória do grupo guerrilheiro. Testemunhas da época contam, nos mesmos lugares, as cenas que viram. Dindo também tenta decifrar o motivo que teria levado Guevara a sair de Cuba e utiliza documentários e fotos da época comprados em Cuba e na Bolívia. Fica comprovada, por exemplo, a participação ativa da CIA e de militares americanos na caça a Guevara. O resultado dessa alquimia de elementos é um filme de 90 minutos. Leia a seguir entrevista que Dindo deu à Folha em 1994. * Folha - O senhor era daqueles que tinham o pôster de Guevara na parede do quarto? Richard Dindo - A decisão mais importante da minha vida foi ir para Paris estudar cinema, quando eu tinha 18 anos, o que me permitiu presenciar a revolta de maio de 68. Nessa época, a sombra de duas figuras pairava sobre nossas cabeças: Che Guevara e Arthur Rimbaud. Mas nunca fui fã de Guevara e nem tive pôster dele. Folha - Esta não é uma época inoportuna para fazer um filme como o seu, quando se fala que o socialismo acabou? Dindo - Eu sou sempre do contra, não por capricho, mas pela minha própria natureza. Acho que Guevara é um homem atual. Creio que hoje é preciso relembrar o que era a esquerda, o que era a revolução. Com Guevara, podemos refletir sobre tudo isso, porque ele é um dos raros que não sujou as mãos com o poder. Folha - Não tinha mais nenhum outro herói da esquerda que merecesse um filme? Dindo - Depois que o templo da esquerda ruiu, só restaram burocratas e tiranos banais. Talvez Guevara seja o único que mereça que a gente se lembre dele como alguém convencido de que deveria se sacrificar pela causa que acreditava ser justa. Sua morte pode parecer uma metáfora da morte da revolução social; seu combate, o último combate por um mundo melhor; sua derrota, o início de uma nova época. Folha - O sr. costuma dizer que é um artesão da memória. Dindo - Meu problema permanente é como fabricar memória. Tudo o que faço gira em torno disso. Para mim, tudo que é história e cultura está na memória. Proust dizia que toda a história já foi contada, mas que é preciso lê-la. Folha - A atualidade não tem importância nenhuma? Dindo - Como cineasta, eu recuso a imposição da atualidade pela mídia. Por isso, temos cada vez mais problemas com os burocratas da TV, também na Suíça. A verdadeira televisão cria documentos a partir da atualidade. Eu atualizo a memória em vez de correr atrás do evento. Com meus filmes, imponho uma pequena parcela de história à atualidade. Nesse caso, acho que Guevara é um homem importante, e por isso procuro atualizá-lo. No fundo, tento mesmo é ressuscitá-lo. Folha - Sua visão sobre Guevara mudou com a realização do filme ? Dindo - Nunca fui fã de Guevara, e até achava seus escritos muito dogmáticos. Para o filme, reli o diário dezenas de vezes e falei com muita gente que o conheceu. Hoje, tenho muito mais respeito e simpatia por ele, mas isso não transparece no filme, onde deixo ao espectador a liberdade para compreender o que aconteceu. O filme também é a anatomia de uma derrota anunciada pelo próprio Guevara. Ele é muito autocrítico no diário. Folha - Alguns afirmam que a obra pode transformar o próprio artista. O sr. acredita nisso? Dindo - Não acredito na transformação do homem. Eu não me transformo, mas vivo momentos de intensa emoção. Texto Anterior: Rodriguez critica Menem Próximo Texto: NOITE ILUSTRADA Índice |
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