São Paulo, sábado, 11 de outubro de 1997
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Trabalho infantil e comércio internacional

ODED GRAJEW

Ao longo dos últimos anos, assistimos a uma intensificação acelerada do comércio internacional. Ao mesmo tempo, de acordo com levantamentos efetuados pela ONU, aumenta a cada dia a distância entre pessoas e países pobres e ricos.
Ao longo da história, tensões desse tipo têm conduzido invariavelmente a grandes conflitos. No limiar do século 21, com as novas tecnologias que podem ser colocadas a serviço da destruição, esta situação é uma ameaça a toda a humanidade.
O Unicef, no seu relatório sobre a situação mundial da infância de 1997, declara que mais de 250 milhões de crianças trabalham no mundo, "impedidas de estudar e envolvidas por ciclos de pobreza; seus direitos mais elementares, sua saúde e até mesmo sua vida são ameaçados".
São crianças pobres que deixam de estudar e ocupam o lugar de um adulto pobre, que fica desempregado. Essa situação aumenta a distância entre pobres e ricos e pode tornar explosiva a tensão social. Cabe a todos lutar contra essa calamidade.
A Fundação Abrinq pelos Direitos da Criança, dentro do seu programa Empresa Amiga da Criança, tem mostrado que, com vontade política e competência de diversos atores econômicos e sociais, é possível formar parcerias para eliminar o trabalho infantil e, o que é fundamental, conduzir as crianças à escola.
Ações conjuntas entre governos locais, governo federal, conselhos da criança, Unicef e OIT, entidades da sociedade civil, sindicatos de trabalhadores, mais de 600 "empresas amigas da criança", setores econômicos como o automobilístico, de laranja, de calçados e da cana-de-açúcar têm produzido excelentes resultados, mostrando que dá para resolver.
Vários países e organizações da sociedade civil têm lutado para introduzir regras no comércio internacional proibindo a utilização de mão-de-obra infantil. O governo brasileiro tem se posicionado contra isso, alegando que a cláusula poderia ser utilizada como uma medida protecionista por parte de alguns países contra nós.
Mesmo assim, diversos países estão estudando adotar medidas unilaterais contra o trabalho infantil no comércio internacional. O congresso norte-americano acaba de aprovar medidas que podem conduzir o país a proibir a importação de produtos fabricados por crianças. Mais uma vez, o Brasil pode ficar a reboque de uma mobilização internacional.
Para romper o impasse, a Fundação Abrinq produziu a seguinte proposta:
1) a restrição ao trabalho infantil não se constituirá em uma regra de boicote ou sanção comercial automática, que somente será utilizada como último recurso;
2) a restrição ao trabalho infantil referir-se-á sempre a situações concretas, que envolvam empresas ou setores econômicos definidos, não podendo ser utilizada como critério para impor sanções a toda economia de um país;
3) será criado um grupo quadripartite internacional, com coordenação da OIT e do Unicef, composto por representantes de governos, empresários, trabalhadores e organizações não-governamentais ligadas a questões da cidadania e da infância, com a missão de acolher as eventuais denúncias sobre exploração de mão-de-obra infantil e verificar, no prazo de três meses, sua veracidade;
4) se comprovada a denúncia, o grupo elaborará um plano para, no prazo máximo de um ano, tirar as crianças do trabalho e reconduzi-las à escola;
5) durante o prazo estabelecido em cada acordo, será vedada a aplicação de qualquer sanção ou restrição à comercialização dos produtos ou serviços envolvidos;
6) expirando o prazo e verificando que está mantida a exploração do trabalho infantil, a empresa ou o setor denunciado sofrerá sanções econômicas à comercialização de seus produtos ou serviços, no contexto da OMC.
A proposta busca reconhecer e localizar focos de exploração de mão-de-obra de crianças, além de elaborar e implementar programas abrangentes para resolver o problema do trabalho infantil. Elimina a alegação de medidas protecionistas adotadas contra determinados países. Elas serão efetuadas apenas quando, após todas as oportunidades oferecidas, uma determinada empresa ou um determinado setor empresarial demonstrar extrema insensibilidade e má vontade pela causa, e não penalizará o país como um todo.
Acreditamos que é uma oportunidade de ouro para o governo brasileiro sair de uma constrangedora e conservadora postura defensiva e propositadamente assumir, com ousadia e criatividade, uma posição de liderança na defesa dos direitos humanos e da justiça social. Esperamos que haja sensibilidade e vontade política para, a partir dessas idéias, o Brasil apresentar uma proposta corajosa para a comunidade internacional.

Odeb Grajew, 53, é diretor-presidente da Fundação Abrinq pelos Direitos da Criança e coordenador-geral da Cives (Associação Brasileira de Empresários pela Cidadania).

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