São Paulo, domingo, 12 de outubro de 1997
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Risco do papel cambial

CELSO PINTO

Nos últimos três meses, o Banco Central voltou a emitir mais agressivamente títulos com correção cambial, as NTN-D e as NBC-E. Eles ajudam a acalmar o mercado, mas transferem o risco de uma desvalorização para o governo. Até onde o BC deveria ir?
No BC, a percepção é de que existe um limite ideal para a emissão desses papéis, mas ele ainda está distante: conforme o critério, essa dívida poderia até dobrar, sem grandes problemas. O crucial é evitar emitir papéis de curto prazo.
O pico do estoque de papéis com correção cambial foi em março, quando chegou a R$ 24,1 bilhões, ou 12,9% do total da dívida mobiliária interna, segundo dados do Boletim Tendências. Depois disso, o BC deixou o estoque de papéis cambiais diminuir até agosto.
Quando aumentou o nervosismo do mercado com a crise cambial asiática, contudo, o BC voltou a oferecer papéis cambiais, e o estoque voltou, hoje, a R$ 23,4 bilhões, equivalente a 11,5% da dívida mobiliária. São títulos indexados ao dólar, ou seja, o BC paga, no vencimento, a correção cambial mais juros.
Esses papéis funcionam, portanto, como "hedge", ou proteção, para quem tem dívidas em dólares: se houver uma desvalorização, o valor da dívida cresce, se medido em reais, mas a remuneração do papel também cresce. O BC voltou a vender títulos cambiais exatamente quando a demanda por "hedge" aumentou.
Quando empresas ou bancos querem comprar posições futuras em dólares (temendo uma desvalorização), mas existem poucos interessados em vender posições (apostando que não haverá desvalorização), o custo aumenta. E esse custo é medido pelo aumento da cotação do dólar frente ao real nas negociações para os próximos meses na bolsa de futuros.
A projeção de uma desvalorização mais forte no futuro, contudo, acaba reduzindo a projeção de rendimento das aplicações em dólares no Brasil. Isso leva a uma saída maior de dólares no mercado à vista, pressionando as cotações do dólar.
Foi isso o que aconteceu em setembro. O aumento das cotações do dólar piora as expectativas e aumenta o nervosismo. Quando o BC atendeu a demanda do mercado e vendeu títulos cambiais que servem como "hedge", fez-se o caminho inverso: caíram as cotações no mercado futuro, o que aliviou também o mercado "spot". Que mal há nisso?
Ao vender títulos cambiais, o BC sinaliza que não vai desvalorizar mais fortemente, caso contrário estaria aumentando sua própria dívida. No entanto, se o governo emite muitos títulos indexados, isso pode ser lido como uma falta de confiança do mercado na política cambial.
Foi o que aconteceu no México em 94. O governo emitiu quase US$ 30 bilhões em títulos indexados (Tesobonos) de curto prazo, porque o mercado não aceitava mais comprar títulos em pesos ou com prazos mais longos.
A situação atual do Brasil, obviamente, não tem qualquer semelhança com a do México em 94. Mas qual o limite confortável para esses papéis?
Existem dois parâmetros possíveis: um em relação à dívida total, outro em relação ao total das reservas. No BC se diz que não haveria problema em dobrar a proporção desses papéis em relação à dívida mobiliária, de 11% para mais de 20%. Em relação às reservas cambiais, a proporção poderia subir do um terço atual para algo em torno de 50%.
Usar as reservas como parâmetro pode ser útil, não porque os papéis indexados possam ser liquidados com os dólares das reservas, mas porque indica o grau de prudência na emissão desses títulos.
Importante é evitar títulos de curto prazo, porque tornam a posição do governo mais vulnerável. Daí o esforço do BC em alongar o prazo dos papéis cambiais.
O custo do título cambial parece atraente: no último leilão, eles foram vendidos com juros entre 9,8% e 10,3% ao ano, conforme o prazo. Supondo que a desvalorização fique nos 7,5% esperados, o rendimento final ficaria entre 17% e 18% ao ano, que se compara a 21% pagos pelo governo para vender títulos em reais. Isso supõe, contudo, que não haverá nenhuma guinada cambial, voluntária ou forçada.

E-mail: CelPinto @uol.com.br

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