São Paulo, domingo, 12 de outubro de 1997
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Clinton chega amanhã ao Brasil para visita de relações públicas

CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA

CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA; CLÓVIS ROSSI
DE WASHINGTON

Objetivo da viagem é ajudar a desmontar oposição interna, nos EUA, à integração continental

CLÓVIS ROSSI
James Reston, o mais influente jornalista norte-americano do século, dizia que seus compatriotas são capazes de fazer qualquer coisa pela América Latina, menos ler a respeito.
Por analogia, pode-se dizer que o governo dos EUA é capaz de fazer qualquer coisa pela América Latina menos colocá-la como prioridade em sua política externa, exceto quando ela é percebida como ameaça à sua segurança nacional.
Bill Clinton parte hoje de Washington para sua primeira viagem como presidente à América do Sul. Como a maior parte das visitas de seus antecessores à região, esta também será mais um esforço de relações públicas do que uma missão de trabalho substantivo.
O grande projeto da atual administração norte-americana para o continente é a Alca (Área de Livre Comércio das Américas).
Em tese, a Alca deve entrar em operação em 2005. Mas o Brasil não parece muito interessado, pelo menos no curto prazo.
Quanto aos EUA, embora Clinton deseje materializar a Alca o mais depressa possível, enfrenta grandes dificuldades políticas internas e tem muitas outras prioridades domésticas e externas.
Sem via rápida
Clinton chega à Venezuela, Brasil e Argentina sem poder garantir que terá a autoridade da "via rápida" ("fast track") em mãos para comprometer os EUA com a idéia da Alca. Em 1994, Clinton anunciou que o Chile seria incorporado ao Nafta (Acordo de Livre Comércio da América do Norte) e já se falava que se seguiria a Argentina.
Em abril de 98, quando todos os líderes do continente (menos Cuba) se reunirem de novo, em Santiago, o Chile continuará de fora do Nafta. Nesse meio tempo, a Argentina se comprometeu decididamente com o Mercosul, e o Chile já está com um pé nele.
Para os EUA, a perda de espaço comercial na América do Sul é um dado relevante. Afinal, exportam mais, por exemplo, para os 14 milhões de chilenos do que para os 900 milhões de indianos. E a aproximação cada vez maior da Europa com o Mercosul os incomoda.
"(A América Latina) é um mercado natural para os EUA, mas não é um mercado que se possa tomar por assegurado", chega a dizer Thomas McLarty, conselheiro de Clinton.
O grande objetivo de Clinton é ajudar, com um intenso trabalho de relações públicas, a desmontar a oposição interna (inclusive no seu próprio partido) à idéia de integração continental.
A esperança de seus assessores é que o presidente mostre ao público norte-americano, via mídia, que a América Latina mudou. É agora democrática, aberta, confiável, moderna, importante.
Mas não vai ser fácil porque, como disse Reston, o John Doe (José da Silva) do Meio-Oeste dos EUA não tem o menor interesse em saber o que se passa no extremo Sul.
Para não mencionar o fato de que os vizinhos de baixo, afinal, são considerados parceiros naturais, mesmo quando seus mercados "não possam ser tomados como assegurados".
Os de baixo
Não podem mesmo, a julgar pelas resistências do governo brasileiro à Alca.
O chanceler Luiz Felipe Lampreia supõe que Alca e comércio serão intensamente discutidos durante a visita de Clinton. Mas discutir está longe de significar concordar.
"Não teremos a menor dificuldade em explicitar nossos pontos de vista", diz Lampreia.
Todos sabem que são pontos de vista diferentes dos de Washington, que tem pressa em abrir os mercados latino-americanos.
Para o governo brasileiro, mais importante é dar à discussão um caráter global.
Fernando Henrique Cardoso aproveitará a visita de Clinton e a tempestade cambial no Sudeste asiático para retomar tese que vem defendendo desde a posse, qual seja, a necessidade de algum controle sobre o fluxo de capitais.
Sabe que não é tese que os norte-americanos apreciem, mas, de todo modo, é a maneira de tratar de enfatizar que o Brasil não é a Tailândia.
Claro que Clinton sabe disso, mas a mensagem destina-se menos a ele e mais aos investidores norte-americanos.
FHC quer também discutir a reforma da ONU. Não a vaga no Conselho de Segurança que o Brasil reivindica. Sabe que Clinton não respalda a postulação brasileira (prefere que se construa um consenso na região sobre quem deve representá-la).
FHC quer debater todo o processo de reforma, inclusive o financiamento da ONU, um discreto lembrete de que os Estados Unidos não pagam devidamente suas contribuições.
Os dois querem conversar sobre meio-ambiente, outro tema em que as posições não coincidem.
Mas, tudo somado, como convém a uma visita eminentemente de relações públicas, trocarão elogiosos calorosos, diante da TV. Depois, voltam à queda-de-braço decisiva nas relações bilaterais que é a Alca.

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