São Paulo, domingo, 12 de outubro de 1997
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Retrato sem retoque

JANIO DE FREITAS

O retrato da atualidade brasileira distribuído pelo governo americano às centenas de empresários que chegam com Bill Clinton, amanhã, suscitou aqui reações várias, entre a sonegação do texto e as iras beirando o chilique patriótico, mas não foi respondido nem interpretado.
Não foi respondido porque o gesto antidiplomático da sua divulgação às vésperas da visita, lembrando o gesto de certa senhora na véspera da visita do papa, não diminui a veracidade da parte, no longo texto, que é diagnóstico.
Ninguém se atreveria a negar que "a corrupção é endêmica na cultura brasileira". E que "o Judiciário é incapaz de assegurar o direito a julgamento justo e rápido, sobretudo nas áreas rurais", onde "está mais sujeito à intimidação por proprietários de terras", que têm "a ajuda de policiais como seguranças privados".
Nem mesmo os políticos brasileiros negariam que são incoerentes, dadas "a disciplina partidária fraca e a falta de coerência dentro e entre os partidos do apoio ao governo". Os serviços telefônicos continuam "escassos e de má qualidade". As violações aos direitos humanos também "continuam a ocorrer". E a legislação é um problema grave para os investidores, ou por ser arcaica, ou por provir de decretos (medidas provisórias, claro) contestáveis nos tribunais e, portanto, geradores de insegurança. Algo de inverdadeiro no diagnóstico?
O sempre original jornalismo brasileiro preferiu, quase todo ele, fingir que o documento americano não existia, mas conceder espaços nobres ao suposto pedido de desculpas da embaixada americana pela expressão "corrupção endêmica". Mantém-se a escolha eficiente entre o que convém e o que desconvém (não, não é ao leitor, é ao presidente).
Os americanos sempre fizeram diplomacia como uma luta boxe. O retrato do Brasil é uma de suas paradoxais agressões diplomáticas. Um gesto bruto com um propósito político. Os sensíveis brasileiros não perceberam que o documento atinge em cheio, por antecipação, um assunto de Fernando Henrique Cardoso na conversa com Clinton: a pretendida incorporação do Brasil ao Conselho de Segurança da ONU.
É como se o documento mandasse o Brasil pôr-se no seu lugar, em termos mais ou menos assim: um país fuleiro como esse não pode sentar junto aos grandes do Conselho.
Auxílio
Em seu parecer favorável à abertura de cassinos, o senador Edison Lobão argumenta que há pelo menos 52 cassinos clandestinos no Brasil, o que provaria já estar o jogo aberto há muito tempo.
Se sabe quantos são os cassinos, o senador sabe onde estão. Logo, como autoridade, deveria exigir providências imediatas da polícia. O contrário disso é conivência prevista no Código Penal.
Censores
A discussão em torno do projeto de nova Lei de Imprensa esquentou muito, nos últimos dias, dentro e fora do Congresso. Simplificou-se ainda mais, no entanto, a opinião que já expus a respeito, aqui e em palestras eventuais.
Ei-la: a Mesa Diretora e os partidos governistas que compõem a maioria decisiva da Câmara são praticantes de censura, como acabam de fazer ao retirar dos anais os insultos trocados por Luís Eduardo Magalhães e Carlos Apolinário, não tendo, portanto, autoridade moral para tratar de uma Lei de Imprensa em regime de Constituição (ainda) democrática. Ainda que aprovada, o destino dessa lei só pode ser o encontro vão com a desobediência.

Texto Anterior: Nenhum fundo de pensão paga impostos no Brasil
Próximo Texto: Programa aproxima governo e oposição
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.