São Paulo, domingo, 12 de outubro de 1997
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Programa aproxima governo e oposição

ELIANE CANTANHÊDE
DIRETORA DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Governo e oposição começam, finalmente, a convergir para um programa nacional de complementação de renda condicionada à educação, tenha que nome tiver. Alguns o chamam de renda mínima voltada para a educação. Outros preferem simplesmente bolsa-escola.
O objetivo é autorizar a União a dar apoio financeiro a Estados e municípios que tenham, ou vierem a ter, programas de complementação de renda para famílias carentes. A condição é que elas mantenham os filhos em escolas públicas.
Apesar da resistência da equipe econômica do governo e do ceticismo dos neoliberais, que a consideram assistencialista ou utópica, a tese vem sendo considerado por setores do próprio governo e das oposições como um "ovo de Colombo" ou "o novo Plano Real" da área social.
Já há experiências bem-sucedidas no Distrito Federal, quatro Estados e pelo menos 11 municípios. Foram catalogadas pelo senador Eduardo Suplicy (PT-SP) -o mais determinado arauto da renda mínima. Comprovam que a idéia é realista.
Há outros programas que não estão na lista do senador petista, como o Projeto Aroeira, de Jaborandi, município na região norte paulista, que integra ações de educação, saúde e treinamento profissionalizante.
Há, ainda, programas federais dirigidos a públicos específicos, como as crianças de regiões de carvão, sisal e cana-de-açúcar. Elas recebem apoio financeiro ao trocar o trabalho pela escola.
Condições de FHC
Além dos projetos já em execução, há outros apresentados e à espera de aprovação. Ao todo, são 16 Estados e 88 municípios. Um dado relevante é que cerca de 70% deles estão concentrados em São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro.
Isso confirma que, sem a participação do governo federal, ficarão de fora justamente os Estados e municípios das regiões mais pobres, aumentando o fosso social brasileiro.
O presidente Fernando Henrique Cardoso deu aval público, numa entrevista na sexta-feira, a um programa de renda mínima condicionada à educação. O governo, porém, estabelece limites.
São eles: a previsão de gastos deve ser realista, para não comprometer o ajuste fiscal nem retirar verbas orçamentárias da educação, e a iniciativa e a execução têm de ser descentralizadas, pois o governo federal não tem estrutura para assumir a responsabilidade.
"O programa tem de estar dentro dos limites orçamentários da União", disse o assessor parlamentar da Presidência, Eduardo Graeff. "E o governo só admite ser co-participante", acrescentou o assessor especial Vilmar Faria.
Suplicy, que se transformou no porta-voz das oposições para a renda mínima, aceita algumas das condições, mas pressiona por uma ampliação do público-alvo e do limite dos gastos federais.
Ele quer, por exemplo, que o programa evolua até atingir, a partir do nono ano de sua implantação, as famílias sem filhos. Caracterizaria, assim, um programa de renda mínima dentro de um conceito mais puro, não apenas uma bolsa-escola. O governo veta.
Duas opções
O presidente FHC e Suplicy encontraram-se no Palácio do Planalto, na semana passada. Abriram caminho para uma votação sobre renda mínima voltada para educação na CAE (Comissão de Assuntos Econômicos) do Senado, na próxima quinta-feira.
Depois de anos e anos de discussões -o assunto entrou em pauta, ainda que de forma incipiente, na campanha eleitoral de 1989-, os inúmeros projetos afunilaram para dois projetos que estão em tramitação no Senado.
Ambos autorizam a União a entrar com 50% do custo dos projetos. Municípios, sozinhos ou em conjunto com os Estados, arcariam com os outros 50%.
O do senador Lúcio Alcântara (PSDB-CE), relator da matéria, teve participação direta dos assessores Graeff e Faria, da Presidência da República. Tem apoio explícito de FHC e foi aprovado pela Comissão de Assuntos Sociais.
O da senadora Emília Fernandes (PDT-RS) é um substitutivo redigido a várias mãos com a assessoria de Suplicy e apoiado pelas oposições. Foi aprovado pela Comissão de Educação.
O projeto de Alcântara prevê um programa de cinco anos, é restrito a famílias com renda per capita inferior a meio salário mínimo (hoje, R$ 60) que comprovem matrícula e frequência de seus filhos em escolas públicas.
São beneficiados os municípios que tenham receita tributária e renda familiar por habitante inferiores às médias do respectivo Estado, com ampliação gradativa até o máximo de 20% dos municípios de cada Estado.
Os custos
Samir Cury, pesquisador do IPEA e da FGV (Fundação Getúlio Vargas), estima que serão atingidas 2.067.800 famílias, com valor médio por família de R$ 28,38 por mês e R$ 340,58 por ano.
O custo total anual seria de R$ 704,51 milhões, com parcela federal de R$ 352,25 milhões.
Já o de Emília Fernandes tem prazo de nove anos. Prevê implantação gradativa, na base de 12,5% dos municípios de cada Estado por ano. A partir do nono ano, passa a ser estendido também a casais sem filhos que tenham renda familiar per capita inferior ou igual a R$ 60 por mês.
Cury estima que seriam atingidas 7.228.943 famílias, com valor médio por família de R$ 39,69 por mês e R$ 476,29 por ano. O custo total anual seria de R$ 3,44 bilhões, com parcela federal de R$ 1,72 bilhão.
Qualquer um dos dois projetos já seria um enorme avanço numa área considerada crítica e prioritária, a educação. Seria, também, uma tentativa direta de atacar o mais grave problema brasileiro: a miséria.

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