São Paulo, domingo, 12 de outubro de 1997
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Educadores querem mudança no modo de ensinar literatura

FABRIZIO RIGOUT
DA REPORTAGEM LOCAL

No magistério há 30 anos, o professor Aloísio Orsine, 63, vê um abismo entre a educação fundamental e o 2º grau, como se o aluno recomeçasse sua carreira escolar ao ingressar no ensino médio.
Segundo Orsine, o currículo de língua portuguesa faz uma passagem abrupta da leitura de infanto-juvenis para os clássicos. Por isso, ele recomenda a leitura do cânone da ficção a partir do 1º grau.
"O aluno chega ao colegial com uma grande deficiência de cultura erudita. E é justamente essa que lhe será solicitada no vestibular ao final desse período. No meu entendimento, os clássicos abrem a capacidade de redação, de estruturação de frases."
Orsine defende o ensino da cultura grega -"O aluno não pode apreciar Camões sem conhecer mitologia"- e recomenda José de Alencar e a fase romântica de Machado de Assis como introdução à literatura.
"Veja Machado de Assis: ele tinha posições bem delineadas em relação às idéias de seu tempo. Isso traz para a sua obra uma quantidade imensa de cultura", explica.
O professor diz ter aplicado com sucesso o trágico romance romântico português "Amor de Perdição" à 7ª série das escolas onde lecionou. Tudo depende, segundo ele, de habilidade para vencer a repulsa inicial dos jovens "desacostumados ao ritmo da leitura".
Orsine procura incentivar seus alunos mostrando a densidade que os clássicos da literatura têm. "Eles descobrem que 'Os Sertões' trata de temas importantes para compreender a realidade de hoje: pobreza, fanatismo religioso, suicídio coletivo. Mas é claro que não vou pedir que eles leiam tudo. Começo com trechos curtos."
Vendas nos olhos
Com muito menos tempo de ensino do que Orsine, o professor André Luiz Miranda Leite, 34, já fez pequenas revoluções no colégio onde leciona. Quem vir seus alunos ouvindo música atonal ou caminhando de olhos vedados pelo pátio que não se espante: eles estão a refinar os sentidos.
"Procuro estimular a fruição estética do texto, formando gente que realmente goste de ler, indo além da análise linguística e da abordagem histórica da literatura, que são conhecimentos essencialmente técnicos."
Segundo Leite, é "um engano brutal" analisar a competência de leitura de um estudante obrigando-o a ler uma lista de nove ou dez títulos. "Literatura que cai na prova não forma leitor", diz.
Leite procura "educar o gosto" de seus alunos. "O importante é permitir que a classe faça suas interpretações. Por que não ler o texto sob as óticas sociológica, antropológica, psicológica? Os alunos fazem isso todo o tempo e tento ajudá-los a sistematizar essas intuições", diz.

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