São Paulo, domingo, 12 de outubro de 1997
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Homossexualismo fiscal

OSIRIS LOPES FILHO

A divulgação sobre o montante das renúncias tributárias federais, feita pela Folha no último domingo, provocou reações de espanto, típicas do conhecimento de escândalo.
Em realidade, a legislação tributária encerra uma multiplicidade de benefícios tributários, que terminam reduzindo ou eliminando o imposto que seria devido.
É longa e variada a forma em que se manifesta a renúncia: imunidades, isenções, créditos fictos ou presumidos, depreciações aceleradas, incentivos fiscais, anistias, remissões, deduções, reduções de base de cálculo e muitas outras hipóteses que ainda poderiam ser relacionadas.
Infelizmente, essas renúncias fazem parte da nossa cultura. Criado um benefício tributário, aparecem logo os pretendentes para obter equiparações, em nome da isonomia ou da relevância da sua atividade, sob o ponto de vista econômico ou social.
A mais importante e recente renúncia estabelecida no país deve-se à alquimia do ministro Kandir. Alquimia das grandes. Modificou a Constituição, por meio de lei complementar, de forma a conceder não-incidência do ICMS nas exportações de produtos primários e semi-elaborados. Cortesia com bolso alheio.
O rescaldo está aí. Acentuou-se a quebradeira dos Estados, principalmente dos exportadores de produtos primários, obtidos da mineração, do extrativismo vegetal e da agropecuária. O governador Mário Covas, no seu último estrilo renunciatório à reeleição, mostrou que até São Paulo saiu perdendo.
Prêmio cambial, isso mesmo. Pois não se tratou de diminuição de preço dos produtos exportados, para lhes dar maior competitividade no exterior, mas compensação, com recursos estaduais, da sobrevalorização do real. Transferência indireta de recursos dos Estados, para o caixa dos exportadores, em face da política cambial.
O terrível, em toda essa história de renúncia tributária, é que a perda nunca é definitiva. Sempre se procura recompor a receita perdida. Esse governo que está aí, do presidente FHC, é mestre em repassar o custo da renúncia para o resto da população, aumentando-lhe os impostos.
Parece que o governo, de tanto dar, já chegou à saciedade e está a se arrepender. É um novo fenômeno de conversão. Espera-se que comece a reverter o processo de homossexualismo tributário passivo em que está envolvido. E pare de dar.

Osiris de Azevedo Lopes Filho, 58, advogado, é professor de Direito Tributário da Universidade de Brasília e ex-secretário da Receita Federal.

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