São Paulo, domingo, 12 de outubro de 1997
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Outra vez, exportar é o que importa

FABIO GIAMBIAGI

O Brasil encontra-se diante da necessidade imperiosa de aumentar as suas exportações. Para isso, as opiniões se dividem entre os que entendem que isso exige a descontinuidade da política cambial; os que julgam que a modernização das empresas gerará os ganhos de produtividade para que aquele aumento ocorra sem uma mididesvalorização; e a posição intermediária dos que acreditam que a combinação de: 1) a referida modernização; 2) as microdesvalorizações reais que o Banco Central vem, na prática, operando ao permitir que o câmbio se deprecie acima da inflação; 3) uma série de iniciativas pró-exportadoras, como a isenção de ICMS, o programa de reestruturação do setor de calçados, o aumento dos financiamentos do Finamex etc.; e 4) a eventual desvalorização futura das moedas européias e do iene diante do dólar poderá permitir ao país chegar ao final das privatizações -quando acabar o financiamento "fácil" do déficit em conta corrente- com um dinamismo crescente das exportações.
Neste artigo, não pretendemos entrar nessa polêmica. Independentemente de como o objetivo vier a ser obtido, o fato é que é fundamental saber se, nos próximos anos, as exportações devem aumentar 6%, 8% ou 10% ao ano, para evitar que o país tenha problemas de balanço de pagamentos.
Com esse intuito, em trabalho recente ("A condição de estabilidade da relação passivo externo líquido ampliado/PIB: cálculo do requisito de aumento das exportações no Brasil"), procuramos quantificar qual teria de ser o aumento das exportações, em dólares correntes, de modo que, no prazo de dez anos, a relação passivo externo líquido/PIB possa se estabilizar.
O numerador dessa fração é a contrapartida do financiamento dos antigos déficits em conta corrente do país, isto é, a soma da dívida externa líquida com o estoque líquido de capital estrangeiro investido no país, incluindo porta-fólio e descontando os investimentos brasileiros no exterior.
Aquela relação não pode aumentar indefinidamente, pois, nesse caso, os investidores externos desconfiariam que estaria se repetindo o processo de "bola de neve" de endividamento dos anos 70, cujo final todos conhecemos e nossos credores não gostariam de repetir.
Ao mesmo tempo, é desejável que a estabilização do coeficiente não se dê em níveis tão elevados que venham a estar associados a uma despesa de juros e lucros e dividendos extremamente onerosa.
Por outro lado, o passivo externo líquido, que era de 24% do PIB em 1995, subiu a 26% em 1996 e deverá ser de 29% do PIB neste ano. Dados os déficits em conta corrente esperados para os próximos anos -superiores a 4% do PIB-, não é realista imaginar que possa se estabilizar em níveis próximos aos atuais.
Portanto, levando em conta esse raciocínio, para efeitos de simulação, adotaram-se dois níveis de referência para esse parâmetro, de 40% e 50% do PIB.
O prazo de dez anos decorre do fato de que, para que o passivo externo se estabilize nos níveis previstos, o déficit em conta corrente teria de cair para valores da ordem de 2% a 3% do PIB, o que dificilmente ocorrerá a curto e mesmo médio prazo. Adicionalmente, considerou-se uma inflação externa de 1% ao ano; foi suposto um custo do passivo externo de 7% e adotou-se a hipótese de que as importações mantenham a proporção do PIB prevista para 1997.
Os resultados, para um crescimento do PIB de 4% a 5%, aparecem na tabela, que mostra que a taxa de crescimento das exportações nos próximos dez anos terá de ser da ordem de 9% a 10% ao ano. Por definição, um maior custo do passivo, um aumento da penetração das importações e/ou a necessidade de a relação passivo externo/PIB se estabilizar mais rapidamente implicariam a necessidade de as exportações crescerem a taxas ainda mais elevadas.
Cabe registrar que, desde que existem estatísticas de balanços de pagamentos similares às atuais, nos últimos 70 anos o Brasil registrou taxas de crescimento das exportações superiores a esse nível em apenas duas décadas: na de 40 e, mais recentemente, nos anos 70 -só no biênio 1972/73, o aumento acumulado das exportações foi de 113%!
Nesse último caso, o crescimento se deveu tanto ao ativismo exportador da época como à combinação de alta dos preços das commodities e elevada inflação externa, situação que não se espera que se repita.
A conclusão é que a continuidade dos esforços oficiais para definir uma política pró-exportadora terá de ser uma das principais prioridades -se não a principal delas- do próximo governo, independentemente de quem for o presidente.
Para isso, a identificação de obras de infra-estrutura que facilitem as exportações e constem de um "Brasil em Ação 2", a manutenção da desvalorização cambial acima da inflação, o aumento do financiamento do BNDES às exportações e o apoio à reestruturação e modernização das empresas terão de ser parte obrigatória do cardápio de medidas a serem adotadas. Na roda da história, como há 30 anos, mais uma vez, "exportar é o que importa".

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