São Paulo, domingo, 12 de outubro de 1997
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Villeneuve rejeita concorrência com o pai

IAN STAFFORD
DA "PLANET SYNDICATION"

Jacques Villeneuve é a maior revelação da F-1 nos últimos dois anos e acabou se tornando um dos mais comentados/queridos/interessantes personagens do esporte.
Piloto dogmático e ousado, o canadense sempre teve a convicção de um dia ser campeão mundial, o que pode ter acontecido na madrugada de hoje, no Japão.
Por ter feito uma ultrapassagem ilegal, ontem, durante o segundo treino oficial, entretanto, seu resultado na prova pode ser desconsiderado, o que adiaria a decisão para a última prova do campeonato.
Com suas roupas "grunge", óculos estilo John Lennon, cabelo descolorido e vício pelos carros que dirige com muita audácia, Villeneuve é um retrocesso aos dias em que a F-1 era uma briga entre pilotos e não entre empresas.
Sua fama também descende de seu pai, o franco-canadense Gilles Villeneuve, que, antes de morrer durante o GP da Bélgica, em 1982, era considerado um dos mais interessantes pilotos do categoria. A herança é Jacques, que possui a mesma coragem, arrogância e individualidade.
Villeneuve, 26, vive em Monte Carlo, quando não está viajando pelo mundo com o circo da F-1.
*
Pergunta - Você sempre quis ser um piloto de F-1 e imitar seu pai?
Jacques Villeneuve - Eu cresci nas pistas de Mônaco e Monza (Itália), o que, de certa forma, me permitiu saber que acabaria sendo um piloto. Se fosse por minha mãe, jamais teria essa profissão. Mas, quando decidi correr, ela me apoiou de todas as maneiras. Não foi uma decisão de uma repentina inspiração. É alguma coisa do tipo: "Nasci para fazer isso". Quando você cresce em uma família como a minha, o único mundo que você acaba conhecendo é esse.
Pergunta - O que você lembra de seu pai?
Villeneuve - Meu pai nunca estava em casa. Não tenho muitas lembranças. Ele estava sempre correndo, testando carros, velejando ou fazendo outra coisa.
Fui praticamente criado por minha mãe. Além disso, estudei em um internato na Suíça.
Pergunta - Mas você parece que herdou a competitividade dele. O quanto você é competitivo?
Villeneuve - Eu sempre gostei de vencer em absolutamente tudo. Não apenas nos esportes. Não sou um mau perdedor, mas vou ser competitivo até o fim. Esse é o motivo porque não correria na F-1, por exemplo, se não estivesse numa equipe de ponta, como muitos pilotos fazem.
Pergunta - Quando você venceu o GP da Espanha, ultrapassou a marca de seis vitórias de seu pai na F-1. Foi importante para você?
Villeneuve - Até vencer na Espanha e me contarem, isso nunca tinha passado por minha cabeça. O problema ao admitir isso é que as pessoas vão falar que ignoro meu pai. Eu não corro contra ele e não gostaria que as pessoas começassem a dizer que minhas conquistas ofuscam as dele.
Pergunta - Você é ansioso em fazer melhor do que seu pai?
Villeneuve - Eu nunca pensei em entrar na F-1 para superar meu pai. Nunca quis ser sua sombra nem o ofuscar. Tenho muito orgulho de ser filho dele, mas eu me vejo como filho do pai Gilles Villeneuve, não do piloto. Além disso, nada do que eu faça vai diminuí-lo.
Pergunta - Então as pessoas vêem você apenas como um filho de Gilles?
Villeneuve - Sim. Na verdade há muitas pessoas que se dirigem a mim como Gilles. Não se dão conta disso. Eu falo: "Olha, meu nome é Jacques." Eles dizem: "Ah tá. Então, Gilles..." Eu tenho que rir.
Pergunta - Você sente saudades de seu pai?
Villeneuve - Eu era muito novo, tinha 11 anos, quando ele morreu. Uma coisa boa é que não me lembro de nada. Mas, é claro, com todo mundo, sinto falta de ter um pai ao meu lado.
Pergunta - Você diria que se dá bem com seus colegas?
Villeneuve - Sou tranquilo. Sim, costumo conversar bastante com as pessoas no paddock, mas vim para correr e ganhar.
Ano passado, por exemplo, quando eu disse que iria brigar até a última prova da temporada, as pessoas pensaram: "Como ele é metido!". Mas foi exatamente o que fiz, não foi?
Pergunta - Mas você costuma dizer o que pensa, não é? O que nem sempre cai bem em seu esporte...
Villeneuve - Não estou tentando ser diferente ou incomodar as pessoas. É uma imagem que ganhei porque abro a boca e digo aquilo em que acredito. E não estou tentando ser um "bad boy", mas meu jeito não agrada a todos. Hoje, há muitas pessoas na F-1 que são como prostitutas em relação a alguns pontos. Eles se reúnem em uma sala pequena e concordam que há coisas erradas, mas quando têm que falar alto, tudo que dizem é: "Bem, talvez alguém precise tomar alguma decisão".
Pergunta - Você parece ser o único que acredita que em seu esporte há uma preocupação exagerada com a segurança. Por quê?
Villeneuve - Eu corria na Indy nos EUA e, claro, segurança é importante lá, mas eles não se preocupam tanto como na F-1. Para ser politicamente correto na F-1 você tem que dizer que tudo tem que ser seguro. Eu perdi meu pai em uma corrida e sei do que estou falando. Eu lembro uma prova de Indy em que o Michael Andretti e o Mario (pai de Michael) corriam juntos. Mario teve um acidente horrível, e o Michael venceu. Isso é o que admiro. Mesmo com a afinidade entre os Andretti, Michael continuou e venceu.
Pergunta - Você vai bem em algum outro esporte?
Villeneuve - Sim, principalmente no esqui. Acho que foi aí que descobri minha paixão pela velocidade. Naquele momento pensei em levar a sério a carreira no esqui, mas depois fui para a escola de pilotos de Jim Russell, no Canadá, em 1986, e a partir de então eu tive a certeza de que queria ser piloto.
Pergunta - Você gostaria de ser um piloto na época de seu pai, fim dos anos 70 e começo dos 80?
Villeneuve - Acho que seria legal. Há 15 anos, havia menos dinheiro envolvido na F-1. O dinheiro não determinava seu desempenho. Esse é o motivo pelo qual, no passado, os pilotos eram como deveriam ser. Eles se esforçavam para correr e falavam o que pensavam. Eram originais e gostavam de aproveitar a vida.
Pergunta - O dinheiro não importa para você?
Villeneuve - Obviamente é bom ter dinheiro, e tenho feito muitas coisas em minha carreira graças a ele. Mas o dinheiro não me dirige. Não é o fator por trás de meu sucesso. Está abaixo do desejo de ser vencedor.
Pergunta - Você gosta de viver a vida em sua totalidade?
Villeneuve - Acho que sim. Amo correr, mas quando estou no pista, seja disputando ou testando, acabo me desligando completamente de outros aspectos da vida.
Pergunta - O que você gosta de fazer em seu tempo livre?
Villeneuve - Costumo passar um tempo em Montreal (Canadá), onde minha namorada, Sandrine, estuda, e o resto de meu tempo fico em casa, em Mônaco, ouvindo CDs, andando de patins ou aprendendo a tocar piano.
Pergunta - Então você gosta de piano?
Villeneuve - Não agora. Porque ainda não sou muito bom e odeio não ser bom em alguma coisa.
Pergunta - Você gostaria de dedicar sua vida de velocidade somente às pistas?
Villeneuve - Velocidade é uma droga para mim e para a maioria dos pilotos. Quando não estou dirigindo, estou esquiando rápido. E quando não estou esquiando rápido, estou andando de patins em alta velocidade. Também gosto de motos de neve e de cross.
Pergunta - Sobre suas roupas, você parece um devoto do "grunge"...
Villeneuve - Para ser sincero, gosto de ser um pouco diferente, mas não tento impor um padrão. Apenas quero me sentir confortável no meu estilo. Talvez isso chame um pouco a atenção, porque a maioria dos outros pilotos é mais comportada e se veste mais sóbria.
Pergunta - Você é ligado em mais alguma coisa?
Villeneuve - Sou fanático por filmes. Tento ir ao cinema ou pegar um vídeo quando possível.
Eu também gosto de jogos de computador e me orgulho em ser o melhor e os terminar o mais rápido possível.
Pergunta - Você cumpre sua dieta como piloto?
Villeneuve - Até um certo ponto. Isso ajuda o desempenho, mas levo vantagem por ter apenas 1,71 m de altura. Meu peso sempre fica em torno de 63 kg. Não sou de comer muito.
Tento comer muita massa, que é meu prato favorito, e beber leite e bebidas não-alcoólicas, minhas favoritas.
Quais são seus planos agora?
Villeneuve - Ser campeão mundial o quanto antes possível, ficar no topo em meu esporte e aproveitar ao máximo a vida.
Estou satisfeito com o que tenho agora, mas há ainda uma grande conquista, e não seria feliz se não as realizasse.

LIGUE para o Folha Informações, 0900-78-0316, para saber o resultado do GP do Japão

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