São Paulo, domingo, 12 de outubro de 1997
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Excesso de estrangeirismos reflete subdesenvolvimento

PASQUALE CIPRO NETO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Se você vocifera imprecações cada vez que lê ou ouve uma palavra trazida diretamente da terra de Tio Sam, é bom verificar se no meio do discurso não está empregando galicismos, italianismos etc. Chance, personagem, garage vêm de Paris; já alarma, imbróglio e até o patriótico termo Florão ("Florão da América") vêm da terra de Dario Fo, que acaba da ganhar o Nobel de Literatura.
A interpenetração de palavras, de uma língua para outra, é um processo inevitável, incontrolável e inofensivo, desde que não se chegue ao idiotismo, à imbecilidade, à manifestação explícita de subdesenvolvimento cultural, de colonialismo.
E é isso o que ocorre no Brasil. Nada justifica que uma pizzaria (epa!) de qualquer cidade brasileira estampe na fachada a palavra "delibery". É coisa de basbaques. O mesmo se diz da ultra-idiota mania de dar a edifícios nomes estrangeiros. Da mania das consoantes duplas (o restaurante Leopolldo, por exemplo), então, nem há o que dizer.
O problema atinge o ápice quando a estrutura da língua começa a ser minada. O ex-prefeito de São Paulo mandou fechar a CMTC, sigla que representa um nome perfeitamente adequado à estrutura da língua portuguesa (Companhia Municipal de Transporte Coletivo), substituindo-a por uma tolice como "São Paulo Transporte". Esse nome tem estrutura inglesa, como a de London Airport, New York City etc.
Aliás, o ex-prefeito poderia ter aproveitado a deixa e mudado o nome da cidade para Saint Paul, o que certamente alegraria os proprietários da Saint Paul Veículos, concessionária da GM em São Paulo, perdão, em Saint Paul. Recentemente essa empresa fez publicidade na rádio Jovem Pan-AM, proclamando-se "a concessionária que tem o nome da nossa cidade". É de lascar!
No mundo esse problema recebe tratamentos diversos. Há desde a xenofobia oficial, como na França, até o nacionalismo ferrenho e renitente de espanhóis e argentinos, que se negam a pronunciar nomes estrangeiros como na língua de origem. Para eles, o príncipe Charles é Carlos; seu filho William é Guillermo.
Em Portugal, esse problema parece causar menos tumulto. Os portugueses dizem habitáculo, para o cockpit do piloto. Experimente procurar no dicionário cockpit, para ver o que significa. O grid de largada é grelha. O mouse do computador é rato. Já o monitor é ecrã, o que não resolve muito. Monitor vem do latim: ecrã é francesa.
Apesar de um ou outro "deslize" (alguns centros comerciais já estão virando shopping centers), a questão da língua em Portugal retrata uma situação bem diferente da nossa. Lá, o dia 10 de junho, festa nacional, é o Dia da Língua, o dia de Camões. Imagino que essa questão merecesse um tratamento institucional. Seria desejável que a ABL se pronunciasse, como ocorre na Espanha com a respeitável Real Academia. Mas não espero nada da ABL. A Academia pouco se ocupa do que carrega no nome.

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