São Paulo, domingo, 12 de outubro de 1997
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Hipócritas

CLÓVIS ROSSI

São Paulo - Somos, os brasileiros, uma gente curiosa. Exibimos frêmitos de indignação não pelas nossas mazelas, mas pelo fato de elas terem sido apontadas em texto de um governo estrangeiro, no caso o norte-americano.
Refiro-me, óbvio, ao documento que menciona a "corrupção endêmica", as fragilidades do Judiciário e do sistema político-partidário etc. Nada que o mais distraído dos brasileiros não soubesse. Nada que fosse exagerado ou mentiroso.
Não obstante, o texto provocou um furor que mais parece cínico do que cívico. Dava até a impressão de que o documento sugeria o desembarque dos "marines" no lago Paranoá.
Indignação deveria provocar o fato de o documento, ao menos a parte divulgada, não tocar em outra chaga brasileira, a social. Tampouco seria novidade. Em recente discurso na Cúpula Econômica do Mercosul, o próprio presidente Fernando Henrique Cardoso reconheceu que a distribuição de renda no país continua sendo das piores do mundo.
Se é verdade, se o responsável por tentar melhorá-la pode dizer, por que não o poderia um governo estrangeiro?
Somos, os brasileiros, uma gente tão curiosa que não lembro de ter lido de muitos dos agora ofendidos, como o senador Antonio Carlos Magalhães (PFL-BA), uma única vírgula de crítica a um outro gesto norte-americano, este sim aviltante.
Refiro-me ao apoio nada disfarçado à conspiração que levou à derrubada do governo (constitucional, é bom que se diga) do presidente João Belchior Marques Goulart, nos idos de 1964.
A intervenção norte-americana da época não parece ter incomodado ACM, que, ao contrário, deve tê-la aplaudido, já que o efeito (o regime militar) foi extremamente generoso para com o hoje presidente do Senado.
Pensando bem, não somos, os brasileiros, uma gente apenas curiosa. Somos, em quantidades industriais, uma gente muito hipócrita.

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