São Paulo, domingo, 12 de outubro de 1997
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Bolas na Lagoa

CARLOS HEITOR CONY

Rio de Janeiro - Eu nem estava aqui quando colocaram gigantescas bolas de publicidade na Lagoa, por sinal em frente de minha varanda. Mesmo que não queira, sou obrigado a vê-las. São coloridas, anunciam um festival de música ou coisa equivalente. À noite, ficam iluminadas por dentro, refletem-se na água, parecem maiores e duplicadas.
Eram três, agora são cinco. Mal comparando, são enormes bolas de bilhar que formam estranhas combinações. Já tivemos coisa pior, uma abominável estrela bolada pelo Darcy Ribeiro e executada por uma artista plástica de São Paulo. Um temporal e o monstro se desgarrou da âncora, foi acabar merecidamente num ferro-velho da avenida Brasil, onde ficou em lugar adequado.
Falando com sinceridade, ainda não sei se gostei ou não dessas bolas na Lagoa. Às vezes acho bonito, às vezes acho horrível. Nessas horas, penso em Mila, grande dama, rainha de Sabá doméstica, minha conselheira em matéria de bom gosto.
Mila não era de latir, só o fazia quando alguma coisa a desagradava real e profundamente. Como o Trio Elétrico que passou aqui pela Lagoa, noite tarda, com suas luzes e sons. Mila ficou indignada, latiu com insuspeita ferocidade para a agressão visual que sofria, só parou quando a geringonça desapareceu na Curva do Calombo.
Latiu também, com ofendida dignidade, no dia em que o Gabeira, candidato a presidente ou a governador, promoveu um abraço ecológico à Lagoa.
De maneira que, sem Mila, entre outras perdas das quais não me recuperei, fico sem saber se devo ou não gostar dessas bolas.
Em princípio, não tenho opinião sobre elas, mas sou péssimo e mal informado crítico de arte. Sempre me emociono com o pôr-do-sol daquelas folhinhas que os armazéns distribuíam no Ano Novo.
Apesar de tudo, sou grato a essas bolas. Seria bom se Mila pudesse latir para elas.

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