São Paulo, segunda-feira, 13 de outubro de 1997
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Velhos amigos

JOÃO SAYAD
IDADES DIFERENTES TÊM ENCANTOS DIFERENTES.

Aos 50, temos a alegria de nos surpreender com velhos amigos. São como antigas namoradas, companheiros de antigas emoções, de rivalidades que não existem mais, de dificuldades superadas e que agora trazem apenas nostalgia.
Sempre imaginei que as exportações eram financiadas a juros muito baixos e achei que o apoio do BNDES, ainda que bem-vindo, seria irrelevante.
Estava enganado. O BNDES tem apoiado as exportações com programa de igualização de juros que fazem muita diferença e tem oferecido crédito e prazo para exportadores competirem com os estrangeiros e muito mais.
Um amigo contou entusiasmado que, em concorrência internacional, o BNDES se comportou com mais garra, ousadia e empenho do que dez bancos de investimentos juntos.
Trabalhou até tarde, fez pressão legítima para mudar regras e "bancou" -ofereceu crédito a prazo e taxas que fizeram com que a empresa acabasse ganhando a concorrência dos alemães, dos japoneses e dos americanos.
Depois, o BNDES resolveu examinar a pauta de importações. O que estávamos importando? Tubos de televisão? Convidou empresários brasileiros a investir numa fábrica de tubos no Brasil. Fábrica complexa tecnologicamente e com economias de escala -existem poucas no mundo.
A fábrica brasileira precisa de competência, capital, prazo e juros compatíveis. Pode dar errado, como tudo na vida. Se der certo, reduz nossas importações e pode colocar no Brasil a fábrica que suprirá o Mercosul e a América Latina.
O pessoal do BNDES se comportou como homens práticos se comportariam. Nada de teorias de vantagens comparativas, de discussões infindáveis sobre política industrial. Existe um problema? Aqui está a solução.
Fiquei admirado com a eficácia, o pragmatismo e os resultados. Os atores deste enredo de sucesso são Luis Carlos Mendonça de Barros, José Roberto Mendonça de Barros e Lidia Goldenstein, velhos amigos.
O Celso Pinto, outro velho amigo, é responsável pelas melhores informações de economia que conheço. Ouve as pessoas atentamente, sem tomar nota, sorri e reporta ordenada e objetivamente informações sempre novas e relevantes. Até o governo se informa sobre si mesmo com as notícias do Celso Pinto.
Na terça-feira passada, informou que as despesas do governo com outras despesas correntes e de capital -papel de escritório, pontes de estrada de ferro, vacinas, micros para escolas, carteiras escolares, fuzis do Exército, infláveis para a Marinha, togas para juízes, capacetes da PM e assim por diante- aumentaram.
Especialista
As informações sobre estes números são do Raul Velloso, outro amigo, que se tornou o melhor especialista em contas públicas e déficit. Boa informação, importante.
Até aqui, homens práticos e informações objetivas.
Mas o Celso Pinto continua: o governo pode acabar no pior dos mundos. Criticado por não gastar suficientemente na área social ou em infra-estrutura e criticado por gastar demais nestas duas áreas. E acaba assim: "por isso precisamos de reformas estruturais dignas deste nome".
Fiquei intrigado com o fecho da coluna, inédito no Celso Pinto.
Por que o crescimento dos gastos de investimentos e outras despesas correntes são um problema? Salário de professor é despesa corrente ou investimento?
Será que o crescimento não é grande apenas por que estavam controlados há muito tempo?
Por que tudo isso aumenta o "déficit", mais do que outros gastos, como a conta de juros ou a compra de reservas?
Como as reformas estruturais podem resolver o problema? Diminuindo as despesas com pessoal? As despesas da Previdência ainda não são problema agudo, como sugere o artigo.
Diminuindo as despesas com pessoal, será que a renda da economia cresce ou decresce? Se decrescer, a arrecadação de impostos aumenta ou diminui? Se diminuir, o déficit público pode aumentar em vez de diminuir. E por aí vamos.
Homens práticos são homens livres. Não inventam ou param por causa de obstáculos imaginários. Para colocar um ovo em pé, basta não ter medo de quebrá-lo.
A falta de liberdade é apenas uma filha do hábito ou da inércia: sempre foi assim, todos fazem assim, a maioria pensa que é assim. O que é perfeitamente aceitável em convites de casamento, cartões de visita, editoriais, cartas comerciais e fechos de artigos. Mas nada garante que o habitual ou o aprovado por maioria seja verdade.
Velhos amigos são velhos amigos, parte da nossa vida e nossa vida parte da deles. Sabem que, quanto mais passa o tempo, alguns ficam mais teimosos. Não é hábito ou inércia. Ao contrário, defender gasto público, hoje em dia, dá trabalho e requer energia.

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