São Paulo, segunda-feira, 13 de outubro de 1997
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Mudanças inadiáveis

EDUARDO R. CAPOBIANCO

Qual cidadão brasileiro ousaria discordar do relatório da embaixada norte-americana que classifica a corrupção no Brasil de endêmica e aponta deficiências em nosso sistema político e no Judiciário?
O presidente Fernando Henrique Cardoso, por exemplo, não manifestou discordância. No breve comentário feito, admitiu que a corrupção e a elevação do custo de vida poderiam derrubá-lo nas pesquisas de opinião. E adicionou: "Estou muito orgulhoso. Meu governo é totalmente transparente". Ninguém duvida que FHC, pessoalmente, é contrário à corrupção. Mas a visão que transparece de seu comentário é moralista e revela ausência de uma abordagem sistemática de combate às causas da corrupção.
Isso explica porque, embora o presidente tenha uma conduta irreprovável, seu governo acaba sendo leniente e não consegue extirpar a endemia corruptiva.
A corrupção não se resume apenas a uma questão moral. Quando se quer acabar com a corrupção, não basta colocá-la no campo do eticamente condenável, embora isso também seja necessário.
A corrupção torna-se uma opção racional de grupos econômicos e políticos em ambientes caracterizados por sistemas e processos decisórios que dão grande poder de arbítrio a administradores públicos.
Tais ambientes são alimentados pela impunidade. A mudança de processos e sistemas decisórios na administração pública e a redução da impunidade são decisivas para atacar com eficiência as causas da corrupção.
O Brasil deu um gigantesco passo no combate à corrupção ao editar, em 1993, a Lei de Licitações e Contratos (lei 8.666).
A legislação fechou brechas pelas quais se praticava corrupção nos fornecimentos ao governo. E estabeleceu pesadas punições aos que a descumprissem.
Dessa forma, a lei 8.666 hoje é citada pela Transparência Internacional como uma legislação exemplar no combate às causas da corrupção.
A leniência do atual governo na questão aparece de diversas maneiras. Na definição da reforma administrativa pela Câmara dos Deputados, por exemplo, o bloco governista votou em primeiro turno a favor de que as estatais fossem dispensadas de seguir a Lei de Licitações. Espera-se que o Senado e FHC atuem no sentido de inverter essa decisão na próxima votação.
A reforma política também é fundamental para a diminuição da corrupção. Um sistema de financiamento de campanhas eleitorais como o existente hoje no Brasil é indutor à corrupção, porque permite contribuições de empresas que tenham negócios com o governo.
A demora de 17 anos no julgamento do caso Paulipetro, que ainda poderá se estender por mais cinco, demonstra claramente a necessidade de uma reforma do Judiciário para reduzir a impunidade no país.
Como qualquer brasileiro, me senti incomodado com o fato de a embaixada norte-americana ter produzido um documento que faz avaliações injustas sobre o Brasil. O documento peca por omitir que a sociedade não concorda com as imperfeições apontadas.
Mas, como cidadão, não posso deixar de concordar com suas constatações, que estão a exigir, do governo e da sociedade, muito mais do que reações moralistas. Requerem ações concretas, profundas e corajosas no sentido das mudanças pretendidas.

Eduardo Ribeiro Capobianco, 45, empresário, é primeiro coordenador-geral do PNBE (Pensamento Nacional das Bases Empresariais). Foi presidente da Comissão de Obras Públicas da CBIC (Câmara Brasileira da Indústria da Construção).

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