São Paulo, segunda-feira, 13 de outubro de 1997
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Jamiroquai prega a simplicidade do "yeah, yeah"

SÉRGIO DÁVILA
EDITOR DA ILUSTRADA

"Vocês estão prontos?", pergunta Jay Kay, em mau português. "Yeah!!", responde a platéia tapuia, no final da noite de anteontem (Palace, São Paulo).
Girou em torno das relações entre o "yeah", o "yeah, yeah" e o "yeah, yeah, yeah" o show no Free Jazz da banda inglesa Jamiroquai, da qual Jay Kay (JK) é o líder.
O "yeah" (sim, em inglês) do público é atavismo do ruído ancestral da música pop, vem das pontuações das frases dos músicos de blues/jazz do começo do século.
Triplicou e mudou o mundo virando "yeah, yeah, yeah" do refrão de "She Loves You", música dos Beatles de 1963 que inaugura o rock como fenômeno de massa.
(No Brasil, "iê-iê-iê" chegou a batizar o ritmo -rock- nos primórdios; ninguém mais usa, nem o "Aurélio" reconhece.)
Onde entra JK/Jamiroquai na história? É na aparente simplificação do rock, o duplo "yeah, yeah" com que pontua as músicas, que a banda dá o pulo do gato.
(Pode conferir, a frase está em pelo menos "When You Gonna Learn", do primeiro álbum, "Emergency on Planet Earth", que a banda não tocou em São Paulo, e em "Alright" e "Travelling Without Moving", do último CD, ambas as mais dançadas no show de sábado último.)
Nessa perda de um "yeah" cabe o mundo de explicação, mas basta dizer que o que os caras fazem tem a mesma essência do mangue beat e é o que está salvando o pop: pegar um ritmo local e restrito, não necessariamente de seu país, e injetá-lo no rock (ou soul ou funk ou uma das variações da Grande Música Negra Norte-Americana).
Outro caminho tem sido voltar pura e simplesmente para as raízes do rock, como Oasis, Radiohead e outros vêm fazendo, mas o resultado é mais chato e menos dançante. (A completar o tripé do pop atual há ainda a opção tecno, mas eu não acredito em música que você não possa assobiar depois.)
E o contrário foi justamente o clima do show do último sábado, apesar do tratamento de gado a que o público foi submetido pelo Palace e pela organização do Free Jazz (leia texto de Marcelo Rubens Paiva à pág. 5-11).
O show
Despontam os acordes iniciais nem bem acaba o vídeo institucional do festival ("...adverte: fumar durante a gravidez pode ser prejudicial..."), e a platéia comemora acendendo os primeiros baseados.
JK abre os trabalhos com "Hooked Up", vestindo o indefectível chapéu (naquele calor canicular deve ter sido difícil manter a atitude) e uma camisa da seleção brasileira (sem número algum, mas com o logo da Nike).
No mesmo momento, começa a série esquisitona de movimentos de tai-chi que usa à guisa de dança nos shows e nos clipes.
Emenda "Too Young to Die" a "Space Cowboy", a primeira que o público canta junto, e começa a se soltar. Planta bananeira, desculpa-se pelo forfait de 1996, quando deveria ter tocado no Brasil, e, sinceramente consternado, joga água na platéia -a essa altura, a temperatura do curral deve beirar os 50°.
A metaleira da banda (sax/flauta, trompete e trombone), antes apagada e agora melhor equalizada, começa a aparecer no hit "Cosmic Girl", assim como a voz de JK, que estava empastelada.
Há sessões solo para o Terceiro Mundo da banda -o percussionista nigeriano Sola Akingbola e o jamaicano Wallis Buchanan, que toca didgeridoo, instrumento musical de aborígines australianos.
O toque autóctone é importante para a sustança do movimento e pega bem em CD, mas definitivamente não se sustenta ao vivo.
A banda base é a de sempre: além de JK, Stuart Zender no baixo, Toby Graffety Smith no teclado, o ótimo Derrick Mckenzie na bateria e Simon Katz na guitarra.
"Use The Force", um flerte com o samba, tira o povo da letargia temporária, derrubada de vez por "High Times", pós-funk de qualidade, a melhor do show, com participação brilhante do DJ Darren Galea.
O final é anticlimático, com o bis "Function", meio chato, que a banda tocou depois da aparição do símbolo/logo, na mesma hora batizado de "homem-corno" pelos circunstantes.
Uma das críticas feitas ao Jamiroquai é a de que branco não tem soul. Neste show, eles provaram que a afirmação é tão preconceituosa quanto dizer "preto de alma branca", para ficar apenas no mesmo tema (alma/soul).
(Em tempo: diferentemente do apregoado, os chatos não apareceram; terão ficado em casa ouvindo Spice Girls?)

LEIA MAIS sobre Free Jazz à pág. 5-11

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