São Paulo, segunda-feira, 13 de outubro de 1997
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Cantora é mais do que um turbante

LUIZ ANTÔNIO RYFF
DA REPORTAGEM LOCAL

A cantora e compositora texana Erykah Badu fez o show certo no local errado anteontem à noite no Free Jazz.
Intimista, cool, com gestos contidos, ela não é a escolha adequada para um espaço como Palace -poucos são, como a acústica do local e o forno provocado pela transformação do lugar em um gigantesco ônibus lotado sem ventilação apenas comprovaram.
Seus maneirismos estariam melhor em um ambiente menor, como o Bourbon Street, onde se realizou parte do festival.
O calor no Palace deve ter afetado a performance da cantora, que, na reta final de uma gravidez, não voltou ao palco para o programado bis. Com isso, deixou de fora "Next Lifetime" e uma de suas melhores composições, "Certainly".
Mas o que mostrou em cerca de 45 minutos foi o suficiente para confirmar que Erykah Badu é mais do que um descompassado turbante colorido.
O show serviu para sustentar as previsões de que a cantora é um dos nomes mais promissores do r&b norte-americano -até por suas qualidades, é surpreendente que ela tenha chegado aos primeiros lugares das paradas de sucesso nos EUA e vendido mais de 1 milhão de discos por lá.
Erykah é daquele tipo de pessoa difícil de delinear onde acaba a autenticidade e onde começa o tipo. Mas isso, em um artista, não chega a ser exatamente um grande problema.
Autênticos ou não, o incenso no palco, a enorme vela a lhe proteger, a exaltação de símbolo religioso egípcio e uma pregação esdrúxula ajudam a compor o seu personagem.
Com sua majestade de princesa africana, porte de diva do jazz, voz sensual e estilo musical a um oceano de distância do mainstream norte-americano, Erykah exibe credenciais para ocupar o posto vago deixado pela cantora nigeriana Sade -mesmo que Erykah não tenha o mesmo balanço da outra e seja menos pop.
Como em seu único disco, "Baduizm", o show de Erykah abre com "Rimshot". Uma boa amostra de seu trabalho: levada e teclados hipnóticos, arranjos quase minimalistas que ressaltam a voz da cantora.
Erykah tem boa presença de palco e conta com uma banda afiada cujo maior destaque é uma ausência -ela não usa guitarrista.
Às vezes o show perde um pouco do pique e resvala para o soporífero. Problemas naturais de uma artista que possui apenas um disco e faz questão de mostrar seu repertório sem se aproveitar de covers -ela citou os Commodores em uma música.
Descontando alguns gritos exagerados que fazem a alegria da platéia, Erykah honra a tradição das grandes cantoras norte-americanas de rhythm & blues.
Os críticos norte-americanos a compararam a cantora à Billie Holiday. É mais do que exagero. Ou nunca viram o show de Erykah, nem ouviram seu disco, ou então -conjectura, conjectura... - nunca ouviram Billie Holiday. Vá saber...

Texto Anterior: Jamiroquai prega a simplicidade do "yeah, yeah"
Próximo Texto: Músico esquece passado transgressor
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.