São Paulo, terça-feira, 14 de outubro de 1997
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Estorvo clintoniano

JAIME SPITZCOVSKY

Os brindes erguidos ao final da Guerra Fria comemoravam a derrocada da ameaça soviética, a vitória do sistema norte-americano e a emergência da chamada Nova Ordem Mundial. Esta, no entanto, parece não ter resistido ao tilintar dos copos da Casa Branca. Esmaeceu diante de uma diplomacia norte-americana destinada a impor a vontade do vencedor, pouco elástica em relação às aspirações de construção de um cenário global baseado na multipolaridade. O que prevalece na política externa norte-americana é o desejo incontido de prolongar o mundo unipolar, pelo menos enquanto permitir o fôlego econômico e militar do último império do século 20.
Dentro dessa lógica, Washington dita, com tintas claras de arrogância, estratégias para responder aos interesses imediatos do vencedor. A nebulosa Nova Ordem Mundial, que estaria alicerçada em democracia política e liberdade econômica num planeta loteado em vários centros de poder, se perde nos corredores da Casa Branca.
Exemplos da miopia diplomática norte-americana pululam. Um rastreamento das últimas iniciativas mostra a falta que faz um estrategista do calibre de Henry Kissinger ou George Kennan.
Para satisfazer a eleitoralmente poderosa comunidade cubana da Flórida, os EUA inventam uma lei para punir investidores estrangeiros na ilha de Fidel Castro. A iniciativa colocou a Casa Branca em rota de colisão com o Canadá e países europeus que compõem a lista de principais injetores de capital estrangeiro em Cuba.
No capítulo leis e extraterritorialidade, os EUA também se atritam com a França, Rússia e Malásia, trio responsável por um megainvestimento na indústria petrolífera do Irã. A Casa Branca quer impedir a injeção de recursos em regimes empenhados em apoiar o terrorismo internacional.
A Coréia do Sul personifica outro incondicional aliado dos tempos da Guerra Fria desconfortável com diretrizes do Departamento de Estado. O governo sul-coreano avalia que Washington busca evitar um colapso do regime stalinista da Coréia do Norte, pois a divisão da península permite aos EUA manter tropas na região e cumprir o seu papel de potência e policial asiático, apesar da distância imposta pelo oceano Pacífico.
A China, principal candidata ao posto deixado pela finada URSS, de adversário primogênito dos interesses norte-americanos, prepara a primeira visita de um chefe de Estado a Washington desde 1989. O presidente Jiang Zemin chega à capital do último império no fim deste mês. Mas, atrás da nuvem de reaproximação, cresce na elite comunista chinesa a sensação de que a intenção real dos Estados Unidos é conter o crescimento do país de Deng Xiaoping. Um recente acordo entre Washington e Tóquio sinaliza mais apoio da administração Clinton a Taiwan, arqui-rival de Pequim.
Washington também trata a Rússia com a impiedosa indiferença dos vencedores. Faz a Otan avançar rumo a Moscou, apesar das objeções do Kremlin, ignora posições russas sobre imbróglios nos Bálcãs, mantém o governo Ieltsin afastado das iniciativas de paz para o Oriente Médio.
Na América Latina, a política norte-americana não prima pela diferenciação. Prevalece o interesse imediato, o que nesse caso significa, por exemplo, favorecer o sonho clintoniano da Alca em detrimento do Mercosul.

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