São Paulo, quarta-feira, 15 de outubro de 1997 |
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Todos conhecem a velha história do artilheiro
ALBERTO HELENA JR.
E é verdade. Vida dura a de goleiro, condenado a ficar ali, embaixo dos três paus, torcendo pelos companheiros e rezando para não ser surpreendido por uma bola traiçoeira -às vezes, uma única e solitária bola, em 90 minutos de espera, que pode ser a gota d'água. O goleiro, porém, desde menino, é um resignado, curtido pela impossibilidade de ser igual aos demais, mas aceito pelo grupo exatamente por sua diferença. Já o goleador não. Ele é movido pelos sonhos do lance decisivo, pela glória da conquista do gol, a própria essência do jogo. Vai em frente, invade a área e sai para o abraço dos companheiros e da torcida. Seu gesto se repete todas as noites de domingo, duas, três, quatro vezes, passando de canal para canal, quando não entra definitivamente para a história. É uma sensação incomparável, que alguns poucos eleitos conseguem viver na sua plenitude. Deve ser algo que transcende ao orgasmo; sei lá, que roça o nirvana do qual nos falam os orientais. Eis, porém, que, de súbito, a fonte seca, o gol não sai, a bola não entra, raspa a trave, o goleiro salva com o bico da chuteira, ou, tudo bem feito, num átimo, materializa-se o beque em cima da risca. A torcida, na primeira, na segunda, na terceira vez, reage com aquele "uuuu" alongado e compreensivo. Mas, na quarta, descai para o murmúrio que antecede a vaia. Os amigos tentam encher a bola do artilheiro murcho, levando-o para refrescar a cuca na noite que cintila; o técnico manda dormir mais cedo e treinar chutes a gol; o parceiro veterano aconselha a velha calma, enquanto o cartola já começa a fazer os cálculos do prejuízo e passa a reavaliar aquela história de ter um psicólogo pra cuidar dessa alma atormentada. Quem sabe aquele pai-de-santo, ou a rezadeira, hein? Mal não faz, que diabo! E nada de a maldita entrar. Até que um belo dia, sem mais aquela, a caprichosa bate na canela do ex-artilheiro e, safadamente, aninha-se na rede. Pronto! Foi-se a inhaca, o gol voltou a abrir-se num largo sorriso para o artilheiro, que volta às resenhas dominicais, sob o aplauso da galera, os tapinhas no ombro do cartola e o olhar de gratidão do técnico que já decidira esquecê-lo num cantinho do banco de reservas (só não o fez porque o substituto, além de não marcar, não joga nada). Digo isso tudo porque até outro dia era o Caio que clamava por um golzinho remissivo. Hoje (a não ser que tenha afastado ontem à noite os maus fluidos), é o menino Dodô que vive o drama do goleador no estio. Assim como, de uma enfiada só, entram Oséas e Viola no mesmo saco, posto que Felipão já anda com a pulga atrás da orelha com seus artilheiros. O pior é que todo mundo já conhece de cor essa velha história. Apesar disso, ela se repete. Sempre. Texto Anterior: CRONOLOGIA Próximo Texto: Queda livre Índice |
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