São Paulo, quinta-feira, 16 de outubro de 1997
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Kieslowski luta contra a burocracia

JOÃO BATISTA NATALI
DA REPORTAGEM LOCAL

Krzysztof Kieslowski (1941-1996) foi um agradável susto para quem acreditava que o cinema pode ser bem mais do que entretenimento.
A Mostra apresenta o primeiro longa do cineasta polonês. "A Cicatriz" foi rodado em 1976. Não traz ainda a delicadeza do roteiro de "A Dupla Vida de Véronique" (1991) nem a rica ambiguidade poética da trilogia intitulada a partir das cores da bandeira francesa.
Mas é trabalho de um principiante maduro, que aos 35 anos entra com o pé direito no gênero que ele próprio chamaria de cinema de inquietação moral.
A moralidade pressupõe a contestação simultânea em dois planos de intervenção artística. Kieslowski, no primeiro deles, subverte a linguagem com que o comunismo tradicionalmente retratava o mundo do trabalho.
"A Cicatriz" é, assim, o avesso do realismo socialista. As relações sociais, em lugar de idealizadas, são problematizadas ao extremo. Bednarz, o personagem central, diretor de um complexo petroquímico, é "um homem amargo porque nunca tem razão", segundo o cineasta.
A segunda contestação é derivada da primeira. É de ordem política. O socialismo polonês é retratado como um establishment permeado por interesses de burocracias (sobretudo a do partido) mesquinhas.
Bednarz é um ingênuo angustiado. Acredita que pode "fazer o bem" com ferramentas moralmente precárias. O impasse caminha para o único desfecho possível -o de sua exclusão.

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