São Paulo, quinta-feira, 16 de outubro de 1997
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Romance de Rego foi instrumento de denúncia

ROGÉRIO HAFEZ
ESPECIAL PARA A FOLHA

José Lins do Rego é um dos romancistas regionalistas mais prestigiosos de nossa literatura. Como muitos outros, cultivou o "romance do Nordeste", que nasceu nos anos 30 e se tornou célebre também no exterior, sobretudo por meio de adaptações ao cinema.
Lins do Rego descendia de uma família de senhores de engenho, e sua visão de mundo reflete a experiência dramática da decadência do universo patriarcal nordestino e de seu núcleo, o engenho canavieiro, vencido pela usina moderna.
O processo criador de sua ficção é a narrativa de fundo autobiográfico, memorialista. Cinco de seus principais romances compõem, de "Menino de Engenho" (1932) a "Usina" (1936), o "Ciclo da cana-de-açúcar". Nele, o engenho é visto de modo cada vez menos nostálgico e mais realista.
"Fogo Morto", sua obra máxima, publicada em 1943, é o romance que retoma e conclui o ciclo. O título é a imagem do engenho decaído e arruinado.
"Fogo Morto" se divide em três partes, nomeadas a partir de seus protagonistas: "O Mestre José Amaro", "O Engenho de Seu Lula" e "O Capitão Vitorino". As partes não se encadeiam de maneira linear e temporal: cada uma compõe um plano de espaço, uma perspectiva diferente dentro da narrativa. Os protagonistas integram o mesmo universo, mas são retratados em autonomia. A ligação entre eles não advém tanto da sua participação na mesma intriga, mas do sentimento comum a todos os três. Esse sentimento é o da inferioridade e da humilhação que eles provam, e diante do qual reagem diversamente.
Mestre Amaro é um seleiro que vive nas terras do Santa Fé, engenho do Coronel Lula de Holanda, em declínio graças à incompetência do dono, que se aferra à grandeza do passado e se isola buscando refúgio na religião. Oprimido em sua profissão, o seleiro apóia, contra o patrão, os cangaceiros locais. Graças aos conflitos com o latifundiário, Amaro é expulso do engenho e preso pela polícia. Seu compadre o socorre, o quixotesco Capitão Vitorino, figura tragicômica, que vive um delírio de grandeza e autovalorização, em sua luta idealista e ingênua pela justiça e contra os poderosos. Amaro, liberto, cometerá o suicídio. Vitorino, crédulo, depositará sua esperança na atuação política.
O romance regionalista de Lins do Rego foi um instrumento de denúncia sociopolítica, um agente que antecipou a consciência do subdesenvolvimento no Brasil. Curiosamente, isso se deu à revelia do autor, que simpatizava com a ação política de esquerda, mas que jamais fez parte dessa ação e que dizia se conduzir por uma visão estética, não-participante, da literatura e da realidade.

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