São Paulo, quinta-feira, 16 de outubro de 1997
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Sankai Juku dialoga com o nascimento e a destruição

ANA FRANCISCA PONZIO
ESPECIAL PARA A FOLHA

O grupo japonês Sankai Juku, que está no Rio para se apresentar no teatro João Caetano de amanhã até domingo, prossegue sua segunda temporada no Brasil em São Paulo, no teatro Sérgio Cardoso, onde interpreta o espetáculo "Unetsu", de quarta a domingo da próxima semana.
Fundado em 1975 pelo coreógrafo Ushio Amagatsu, o Sankai Juku pertence à segunda geração da dança butô, movimento artístico que surgiu no Japão no início dos anos 60 para expressar o sentimento humanitário da geração pós-guerra.
Desde 1982, o Sankai Juku está radicado na França, onde estreou "Unetsu" quatro anos depois. Nesse espetáculo, cujo subtítulo é "Os Ovos em Pé por Curiosidade", os bailarinos dançam dentro de uma piscina de dez centímetros de profundidade, que ocupa todo o palco.
Espécie de jardim aquático de grande impacto visual, essa ambientação simbólica também inclui ovos gigantes. A explosão de um deles representa a liberação da vida. A seguir, trechos da entrevista exclusiva concedida por Amagatsu à Folha.
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Folha - Quais são os símbolos principais de "Unetsu"?
Ushio Amagatsu - Em "Unetsu", a imagem cênica principal se compõe de uma queda de água que corre permanentemente de um lado e de um filete de areia que escorre na lateral oposta do palco.
A água representa o espaço, é o símbolo da liberdade, do nascimento, daquilo que começa. A areia que se acumula representa os elementos principais. A água é a vida, a areia é a morte.
Folha - Há também a simbologia do ovo...
Amagatsu - Sim, há um mito recente, comum entre muitas civilizações, de que nascemos de um ovo. Tudo pode nascer de um ovo, que é uma coisa frágil e pode se quebrar. Mas é quando quebramos o ovo que fazemos nascer alguma coisa. Essa quebra corresponde ao mesmo tempo à destruição e ao nascimento.
Folha - Você ainda define sua dança como butô?
Amagatsu - Pertenço à segunda geração do butô, que tem experiências e formações diferentes das dos fundadores desse movimento, Kazuo Ohno e Tatsumi Hijikata.
Em vez de falar de butô, prefiro falar sobre meu trabalho dentro do butô. Em todos os grupos de butô, é muito importante a personalidade do coreógrafo, existem diferentes caminhos que dependem de personalidades.
Um fato muito importante em minha carreira foi a ida para a Europa nos anos 80. Tudo o que fiz antes disso refletia o que eu havia vivido em termos de experiência pessoal. Depois, morando na Europa, conheci o sentimento da diferença cultural e, desde então, meu trabalho é baseado nisso.
Um dos temas principais de meus espetáculos é observar, por meio dessa diferença, o que pode existir em comum entre as culturas ocidental e oriental.
Folha - E o que é comum entre o Ocidente e o Oriente?
Amagatsu - Em comum, há, por exemplo, uma definição de homem. O que me interessa, particularmente, é ver o diálogo que se instala entre a pessoa e seu ambiente, o homem e a natureza que o cerca, a mitologia que o envolve a partir do lugar onde ele nasceu.
Quando voltamos bem atrás nesse diálogo, percebemos, por exemplo, por meio das esculturas, das narrativas mitológicas, que há pontos comuns muito fortes entre todas as culturas.
Se examinarmos as artes primitivas da África, América ou Europa e excluirmos pequenas diferenças, observamos pontos comuns bastante fortes.
A idéia de que o mundo nasceu de um ovo, que utilizo no espetáculo "Unetsu", é encontrada na mitologia de vários países. No budismo e no cristianismo, essa idéia é muito importante.
Folha - Quais são os fundamentos da dança que você desenvolve com o Sankai Juku?
Amagatsu - A dança, em qualquer tradição ou país, apresenta um diálogo entre o corpo e a gravidade. Para mim, o movimento se resume a duas forças essenciais, a tensão e o relaxamento.
Na dança, de maneira geral, o que importa é a tensão, mas eu também estou interessado em fundamentar a dança no pólo oposto.
Se tomarmos essa idéia de tensão como dança, já a estamos praticando a partir do momento em que tocamos o chão com os pés. A seguir, adicionamos o ritmo, fazemos piruetas, mas para mim tudo começa antes disso.
Considero o corpo antes mesmo dessa primeira tensão de apoio, a partir do momento em que estamos no corpo de nossas mães.
Nessa condição, flutuamos no corpo da mãe, dormimos logo após o nascimento, e esse é o primeiro diálogo estabelecido entre o corpo e a superfície da Terra.
Após esse movimento primordial, nos sentamos e introduzimos uma tensão na parte superior do corpo, enquanto a parte inferior ainda está relaxada, para depois engatinhar, se levantar.
Esse é mais ou menos o processo normal da evolução, que permite reduzir progressivamente a superfície de contato, seja na cama ou na Terra, de maneira simbólica, até que o corpo se levanta e fica em pé.
Procuro mostrar na dança não apenas o momento em que nos apoiamos no chão, mas o processo que deriva essa condição.
Folha - O relaxamento seria então uma força tão importante quanto a tensão?
Amagatsu - Sim, o relaxamento também é fundamental. Essa evolução que vai do instante de abandono até o nascimento das forças de tensão, isso está inserido no diálogo do corpo com a gravidade.
Se estendermos nossa reflexão sobre a dança a um ponto longínquo, chegaremos a um momento comum a todas as civilizações.
Folha - Como você desenvolve essa idéia durante um ensaio?
Amagatsu - Por exemplo, não utilizando o espelho na sala, para evitar que os bailarinos mudem a forma de sua dança quando olham a própria imagem. Procuro enfatizar a ação do ponto de vista interior de cada um.

Espetáculo: Unetsu, com Sankai Juku
Quando: de 22 a 25 de outubro, às 21h; dia 26, às 19h
Onde: teatro Sérgio Cardoso (r. Rui Barbosa, 153, Bela Vista, região central, tel. 011/251-5122)
Quanto: R$ 35 e R$ 25. Vendas na bilheteria do teatro ou por meio da Amex em Cartaz (tel. 011/263-0066)

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