São Paulo, sexta-feira, 17 de outubro de 1997
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Assim é se lhe parece

CELSO PINTO

Qual foi o ganho gerado pela recente aceleração na desvalorização cambial?
Não há dúvida de que houve ganhos, já que a inflação despencou nos últimos meses, enquanto o Banco Central manteve a mesma política de desvalorização de 0,6% ao mês, ou algo em torno de 7,4% ao ano. Saber exatamente quanto, contudo, é mais complicado do que parece.
Em alguns gabinetes em Brasília, comemora-se o fato de que, sem alarde, o BC já teria conseguido fazer com que a desvalorização superasse a inflação em algo entre 4% e 5% nos últimos 12 meses. Bastaria persistir nessa política por mais dois anos, ou pouco mais, para recuperar o nível de câmbio real (isto é, descontada a inflação) da entrada do Plano Real, em julho de 94.
Tudo depende, contudo, de como se mede o câmbio real. Conforme o critério, pode-se concluir que já houve, de fato, uma desvalorização real acima de 5%, ou que, ao contrário, o real valorizou-se em até 3%.
O reajuste cambial nos 12 meses encerrados em setembro ficou em 7,33%. Para saber quanto ele ficou acima da inflação, é preciso definir que inflação é relevante considerar.
O que importa é saber em quanto a variação dos preços afetou a competitividade dos produtos brasileiros. O BC acha que o Índice de Preços por Atacado (IPA) industrial é a medida mais adequada, porque ele reflete os custos da produção industrial.
Muitos economistas discordam e argumentam que custos essenciais à produção, como o dos salários, não aparecem no IPA e sim nos índices de custo de vida, como o da Fipe. Outros economistas concordam, mas lembram que o custo de vida dá muito peso a preços (como consultas médicas ou mensalidades escolares) que nada têm a ver com custos industriais. O IGP-DI, por ser um índice misto de custo de vida e de preços por atacado, seria uma melhor referência.
Nos 12 meses encerrados em setembro o IPA industrial subiu 4,5%, a Fipe, 4,6%, e o IGP-DI, 6,97%. O ganho cambial, portanto, teria sido de 2,7% ou de 0,4%, conforme o indicador escolhido.
Só que, para tornar o cálculo mais preciso, seria preciso somar a esse ganho a inflação dos parceiros industriais, já que ela encarece o produto local, barateando, em termos relativos, o importado. Mas qual inflação? O BC prefere o preço por atacado. Alguns economistas preferem o custo de vida.
Nos Estados Unidos, os preços por atacado (PPI) nos últimos 12 meses subiram apenas 0,09%, portanto, somar este número ao ganho no câmbio não faz diferença significativa. Já o custo de vida (CPI) subiu 2,2% e se ele for usado como parâmetro, o tamanho da desvalorização fica bem mais polpudo.
Usando o IPA ou a Fipe como deflatores internos e o CPI nos Estados Unidos, chega-se aos 5% de desvalorização real que alguns membros do governo mencionam. Usando o IGP-DI, o ganho fica ao redor de 2,6%.
Mas por que usar os Estados Unidos como parâmetro e não vários parceiros comerciais, conforme sua participação relativa nas exportações brasileiras? Bem, pelo critério dos parceiros, os números mudam de figura, porque o real acompanhou a valorização recente do dólar em relação ao marco alemão e ao iene japonês. Por este critério, nos últimos 12 meses o real valorizou-se ainda mais, algo entre 0,9% e 3%, conforme o deflator interno usado.
Quer dizer, dependendo do critério, a aceleração da desvalorização já trouxe um ganho substantivo na competitividade do câmbio brasileiro, ou apenas evitou uma deterioração ainda maior.
A prova do pudim, no caso, é simples: basta ver o comportamento das exportações de manufaturados. Nos últimos meses, pela primeira vez em muito tempo, elas reagiram, mas a reação foi muito localizada em algumas vendas, como automóveis, para a Argentina. Só os próximos meses dirão se a mudança na política cambial trará um reflexo importante na competitividade brasileira.

E-mail: CelPinto@uol.com.br

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