São Paulo, sexta-feira, 17 de outubro de 1997
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Globalização sem imposições

Globalização sem imposições
MAX SCHRAPPE
A frase "

MAX SCHRAPPE

A frase "globalização sem imposições", que marcou o discurso de boas-vindas do presidente Fernando Henrique Cardoso ao seu colega norte-americano, Bill Clinton, retrata o desejo dos brasileiros de que o país possa inserir-se com devida independência e um nível razoável de desenvolvimento na nova ordem econômica mundial.
Entretanto, a retórica do nosso presidente, que tem o grande mérito de manter a inflação em níveis muito baixos, não corresponde à realidade da política econômica interna, a começar pelo modelo monetário rígido, muito mais vinculado às estratégias preconizadas pelo FMI e pelo governo dos Estados Unidos do que às recomendações dos empresários e numerosos economistas brasileiros de reconhecida capacidade.
O grau de soberania econômica de uma nação, no presente cenário mundial, é medido -única e exclusivamente- pelo nível de competitividade de seu parque produtivo. É nesse aspecto que as políticas governamentais podem contribuir ou dificultar a disputa de mercados, internos e externos, por parte das empresas.
Assim, não é difícil compreender que a independência econômica depende muito mais do próprio Brasil do que da boa vontade de qualquer chefe de nação do Primeiro Mundo.
Obviamente, se depender dos Estados Unidos, da União Européia, do Japão e dos Tigres Asiáticos, o nosso país continuará sendo visto somente como um grande mercado potencial, com 160 milhões de consumidores; um mercado com alta capacidade de assimilação dos produtos do Hemisfério Norte.
É importante que o chefe da nação brasileira assuma posições de vanguarda no cenário internacional, defendendo a isonomia mercadológica dos países. No entanto, o discurso presidencial soa com certa ironia nos ouvidos dos trabalhadores e empresários brasileiros, que enfrentam enormes dificuldades para se reposicionar no cenário da globalização.
Para quem trabalha e produz, enfrentando os juros mais altos do mundo, um câmbio irreal, impostos e encargos sociais onerosos, carência de infra-estrutura e falta de crédito para investimentos e atualização tecnológica, torna-se nítida -e demasiadamente amarga- a sensação de que o Brasil não está fazendo a sua parte para ser vencedor no novo mundo sem fronteiras.
Substituindo a reforma constitucional e um processo ágil de privatização por uma rígida política monetária, o país, além de ceifar empresas, empregos, produção e salários, vai ficando para trás no cenário da globalização.
Nesse aspecto, não se pode culpar o chamado imperialismo norte-americano. Afinal, o Brasil está oferecendo, não só aos Estados Unidos como a outras nações, inclusive latino-americanas, todo o espaço de que necessitam para conquistar nosso mercado e alijar nossas empresas no cenário internacional. Estamos, literalmente, colocando um suculento filé mignon sob o focinho de um lobo esfaimado.
Empresários e trabalhadores precisam, sim, do governo, para defender a economia nacional no âmbito da Organização Mundial do Comércio, nas negociações de alíquotas e, sobretudo, no estabelecimento de políticas estimuladoras da produção e do crescimento sustentado. Não adianta reivindicar isonomia com o Primeiro Mundo se as forças produtivas da nação enfrentam barreiras quase intransponíveis no plano interno.
Os discursos, como as peneiras, não tapam o sol. Cabe, aqui, uma analogia com a "maquiagem" de última hora que a Prefeitura de São Paulo fez nos logradouros pelos quais passaria Clinton, cobrindo com tinta branca a sujeira e valetas que incomodam diariamente o paulistano.
Assim como os eixos dos automóveis são danificados pelas crateras das ruas da quarta maior cidade do mundo, numerosas empresas quebram nos buracos da política econômica que norteia o 10º PIB do planeta. Os governos e empresários do Primeiro Mundo certamente desconhecem a precariedade das vias públicas da capital paulista, mas têm plena e cristalina consciência sobre o quadro político-econômico do Brasil. E é aí que está o problema...

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